«Portanto,
como estamos vendo, a primeira coisa que acontece quando é banida da
consciência humana a crença da realidade de Deus e, com ela, a da existência de
uma alma espiritual, é a da perda imediata de uma referência de valor
inquestionável, inamovível, absoluta, pela qual o ser humano possa aferir os
seus passos de vida. Sem ela, todo o seu conceito de ser e de viver perde a
orientação, incluindo até aquele devido à natureza visto encontrar-se ele já liberto
dessa compulsão a que toda a demais criação se encontra sujeita. A partir daqui
todos os conceitos a haver e a exigir passam a orientar-se apenas para aqueles
primários de subsistência e de conveniência, os mais variados.
«Ora
já sabemos que toda a criação está sujeita a duas forças extremas, uma, a que determina
o seu início, conferindo-lhe uma certa energia para que exista e prossiga, e
outra, no fim, aquela que a atrai a si. Então, face a esta indiscutível e
indispensável verdade, não podemos deixar de chegar a outra conclusão senão a
de que esse sentido obrigatório de aperfeiçoamento e complexidade é uma natural
consequência decorrente desta verdade. Sem a existência dessa força energética
inicial, nada existiria, e, sem a segunda, se acaso fosse possível não existir,
uma vez que a segunda e a primeira são uma e a mesma força, qualquer criação
logo viria a perder toda a orientação e sentido se é que pudesse, sequer ter
tomado existência. E a este sentido orientado do princípio ao fim, toda a
criação está obrigada dentro dos limites da sua existência, desde que começa a
existir, quando nasce até que morre. E já sabemos que nos animais, através dos
mais variados e engenhosos processos de aperfeiçoamento, isso se faz
automaticamente por instinto, enquanto nas plantas o mesmo acontece pela acção
dos tropismos.
«Ora
isto desapareceu no homem quando lhe foi introduzida a alma, pois a partir daí
foi-lhe dada uma consciência que, sobrepondo-se aos instintos e tropismos,
passou a permitir-lhe a liberdade de poder responsavelmente fazer as escolhas
que entendesse serem as mais convenientes à sua vida. E assim foi porque é
dessa consciência, que é inerente à substância da própria alma, que não da
natureza, que se encontra e nasce nele não só o conceito de justiça como a da
injustiça, assim como também o do bem e do mal, do perfeito e do imperfeito, da
harmonia e da beleza, do sonho ou da realidade, da generosidade ou do egoísmo,
do remorso e da piedade, da arte e da ciência. E também o conceito e a prática
da religião.
«Ora
estas referências não são encontráveis em nenhum dos campos de vida meramente
naturais. Nenhum!... Impossível!... Não há uma só criatura exclusivamente
animal que tenha estes itens por referência comportamental pela simples razão
de que nenhum deles é fundamental à evolução da vida inerente ao seu plano de
viver.
«Por
isso, se for do ser humano banida a realidade da existência de um Deus verdadeiro
e de uma alma espiritual, também dele todas essas virtudes da alma terão
tendência a desaparecer com o tempo, dependendo da geração donde provieram, da
educação, da tradição, e da sociedade em que vivem. É só uma questão de mais ou
menos tempo. E, uma vez esbatida a sua presença, toda a conduta passará a
pautar-se cada vez mais por meras conveniências naturais, quanto muito submetidas
a uma pseudo-consciência de características meramente psíquicas, feita por
encomenda, subordinada tanto aos interesses do próprio como aos da sociedade em
que vive.»
(In
“A ACÇÃO DO AMOR DE DEUS NA CIÊNCIA DA CRIAÇÃO”, de Pina Navarro, Calçada das
Letras, págs. 113 a 115)
Benavente,
20.08.2025
- Victor Rosa de Freitas -