quinta-feira, outubro 09, 2008

A pequena Esmeralda, o "mercado" de regateio da Justiça, "ética" da "perfeição" e Ética



Como se pode extrair DAQUI , do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no Recurso nº 1149/03.3 TBTNV do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, datado de 25.09.07 (sem link), da sentença de regulação do poder paternal, datada de 13.07.04, do mesmo Tribunal (sem link),

A menor Esmeralda nasceu no dia 12 de Fevereiro de 2002 e encontra-se registada como filha de Aidida, de 39 anos de idade, e de Baltazar, de 25 anos de idade.O estabelecimento da paternidade deu-se em consequência de termo de perfilhação lavrado em 24 de Fevereiro de 2003 e rectificado em 30 de Abril de 2003.

Antes de perfilhar a menor, Baltazar submeteu-se a testes de ADN com vista a comprovar a sua paternidade biológica.Baltazar solicitou a realização dos referidos testes em virtude de ter tido apenas um relacionamento ocasional com a mãe da menor, e ter sido apenas informado da gravidez desta quando se encontrava no final da gestação.Os pais da menor mantiveram entre si um relacionamento ocasional, nunca tendo vivido juntos.Em 28 de Maio de 2002 Aidida, por intermédio de uma amiga sua, entregou a filha menor ao casal constituído por Luis e Adelina.Juntamente com a menor, Aidida entregou também uma declaração de consentimento para adopção plena.

Pelo menos a partir de Junho de 2003 Aidida pretendeu reaver a sua filha e passou a procurar o casal ao qual tinha sido entregue, chegando a telefonar para este, sem qualquer sucesso.

Baltazar, a partir da altura em que viu cientificamente comprovada a paternidade relativamente à menor, em data não apurada mas anterior a 24 de Fevereiro de 2003, procurou imediatamente a Aidida no intuito de estabelecer relações com a filha de ambos.
Durante os meses seguintes deslocava-se à Sertã, aos fins-de-semana, no intuito de ver a sua filha, sendo que a Aidida afirmava que a mesma estava em Lisboa, em casa de uma tia.

Baltazar soube por intermédio dos Serviços do Ministério Público da Sertã que a menor se encontrava aos cuidados de um determinado casal.

Daí em diante passou a procurar o casal acima referido, conseguindo contactar com Luis e Adelina, os quais não permitiram ao requerido ver a filha.

No aniversário da menor (12 de Fevereiro de 2004, fazia a Esmeralda dois anos), Baltazar deslocou-se ao local onde se encontrava o casal a que se vem fazendo referência e tentou entregar um presente à menor, o que também não lhe foi permitido.

Em 13 de Julho de 2004 é proferida sentença que decide confiar a menor à guarda do pai, devendo a mesma beneficiar de acompanhamento de natureza psicológica e pedopsiquiátrica.O casal Luis e Adelina entendeu não cumprir a sentença – sem prejuízo de naturalmente dela recorrer – mas antes optou por manter a criança consigo, não permitindo mais uma vez que o progenitor com ela contactasse.

A menor vive actualmente com Luis e Adelina em Torres Novas, os quais alteraram (em termos práticos, de tratamento) o nome daquela para Ana Filipa, assim a chamando e intitulando-se pais.

Desde que a menor tinha cerca de UM ANO de idade que o progenitor a procura, primeiro, o mero contacto, não logrado, e, depois, ficar com a guarda da filha, como determinou o poder judicial, tudo sem sucesso, até hoje, quando a menor já tem SEIS ANOS E NOVE MESES.

Em processo-crime do Tribunal criminal de Torres Novas foi o sargento Luis Gomes condenado por crime de sequestro da menor Esmeralda, por sentença de 16 de Janeiro de 2007, que o STJ, em sede de recurso, convolou para o crime de subtracção de menor, condenando-o, embora, em pena de prisão suspensa.

Que dizer de tudo isto?

Dispõe a Constituição da República Portuguesa que:

“Artº 36º

1. (…)
2. (…)
3. (…)
4. (…)
5. Os pais têm o DIREITO e o DEVER de educação e manutenção dos filhos.
6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.”



Como bem já decidiram os Tribunais de Torres Novas e da Relação de Coimbra, o poder paternal da menor Esmeralda foi regulado e atribuído ao progenitor, Baltazar, embora tenha sido ponderado um período de acompanhamento da menor, por técnicos especializados, para a passagem desta do casal Luís e Adelina para o progenitor, dados os laços afectivos da menor com o mesmo casal.

Contudo, se os Tribunais bem declararam o DIREITO, mal andam os mesmos na execução das suas decisões.

A afectividade da menor pelo casal Luis/Adelina (que se não questiona existir, mas alimentada interesseiramente por este, como foi reconhecido judicialmente) não pode pôr em causa todo o edifício jurídico português, designadamente o que dispõe a CRP, como vimos, e bem declararam os Tribunais.

Está a ser posto em causa um DIREITO fundamental dos pais à educação e manutenção dos filhos, argumentando-se com a afectividade ao casal que detém a menor, em nome, imagine-se, do “superior interesse da criança”.

O “superior interesse da criança”, como qualquer outro valor Ético, não pode ser defendido fora do momento histórico em que se vive em sociedade e dos valores fundamentais que esta, na Lei, estabelece.

A “ética” que tem sido “defendida”, quanto a tal valor, está a abrir a porta a que, de hoje para amanhã, em nome do “superior interesse da criança”, os ricos comecem a “roubar” os filhos dos pobres a estes, porque os menores são melhor “defendidos” por quem tem melhores condições para os educar, sustentar e dar-lhes uma “carreira”, desde que a “passagem” possa ser feita sem “traumas”.

O “superior interesse da criança” não pode ser visto como um valor de “ética” (suprema) de “perfeição”, sob pena de os limites legais serem violados e haver entre estes e aquele um permanente “non liquet” sobre como executar as declarações/decisões dos Tribunais, como é o caso presente, em que uma menor não é entregue ao progenitor porque pode ficar traumatizada, ficando nas mãos de afectos ilegítimos e ilegais, traumatizando-se para toda a vida, num jogo que pode durar até à sua maioridade, como referiu ontem o PGR, Conselheiro Pinto Monteiro.

Estamos a cair num verdadeiro “mercado” de regateio da Justiça, em que tudo é relativo fora da precisão da Lei e dos fundamentos de organização social constitucional e legalmente consagrada, tudo porque há sempre alguém a defender uma “ética” de “perfeição” que se não coaduna com o momento histórico.

Em democracia tudo pode ser “relativo”.

Mas para evitar o predomínio do “relativo” que leva à anarquia é que a Ciência Política ensina que deve haver um Poder Legislativo que defenda certos valores que todos têm que cumprir. Quando se não concorda com tais valores, a Lei deve ser mudada!

Perante a ética dos valores consagrados legalmente, toda a “ética” relativa deve ceder, mesmo a “ética” da “perfeição”.

Por isso se deve defender o Estado de Direito.

No interesse da comunidade.

Não o “mercado” da Justiça do “non liquet” eterno, que leva a que o prato da balança esteja do lado da ilegalidade e da ofensa ao Poder Judicial, que se tem revelado, pelo que se vê, muito fraco na execução das suas decisões.

Entregue-se, quanto antes, a Esmeralda ao seu progenitor, em nome da Lei.

Entregue a este, deverá o Estado acompanhar a menor para minimizar qualquer trauma.

É “isto” que me diz a Ética perspectivada historicamente.

Já agora, pensem nisso!
PS: como defendido aqui, o Tribunal de Torres Novas, por decisão de hoje, 9.01.09, entregou definitivamente a guarda da menor ao seu progenitor, Baltazar Nunes, como se pode ler AQUI. e AQUI.

10 Comments:

Blogger Orlando Braga said...

Não acho que devamos dar razão a A ou B em função de uma decisão de um tribunal, porque os tribunais erram e para isso existem recursos. Ademais, a lei não é, muitas vezes, ética. Não acredito na sacralização da Justiça portuguesa ― nos termos em que se encontra.

A ideia que passou para a opinião pública não foi a de que Baltazar procurou a sua filha um ano depois do seu nascimento. Pelo simples facto de essa informação constatar de um acórdão, não significa que seja uma verdade indiscutível. Eu já ouvi versões diferentes.

A lei também é o Artº 1978, 1 §e do CC: se os pais (biológicos) do menor acolhido por um particular (ou por uma instituição) tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho durante seis meses (no mínimo; actualmente são três meses, após redacção da lei 31/2003) que precederam o pedido de confiança, o filho pode ser considerado como abandonado pelos pais biológicos.

Na minha opinião, e mesmo que Baltazar se tenha interessado pela filha depois de ter certezas um ano depois, a ética manda que uma criança não seja separada de uma família com quem viveu os primeiros dois anos de vida.

8:12 da tarde  
Blogger Orlando Braga said...

Errata:

Na minha opinião, e mesmo que Baltazar se tenha interessado pela filha depois de ter certezas um ano depois, a ética manda que uma criança não seja separada de uma família com quem viveu os primeiros dois anos de vida, desde que a integridade física e psicológica da criança esteja assegurada pela família de acolhimento.

8:17 da tarde  
Blogger victor rosa de freitas said...

Pois é: e então o artº 36º da Constituição que diz que "os filhos não podem ser separados dos pais salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e SEMPRE MEDIANTE DECISÃO JUDICIAL".

Onde está, pois, a decisão judicial a dizer que o progenitor Baltazar não cumpriu tais deveres?

Muito pelo contrário, há uma decisão judicial (pelo menos) a entregar-lhe o poder paternal da menor...

Se o preceito constitucional não "presta" há que mudá-lo primeiro (isto para quem defende um Estado de Direito...).

9:45 da tarde  
Blogger victor rosa de freitas said...

ADENDA:

Se, ao invés de defendermos um Estado de Direito, começarmos a defender um Estado Ético (ou de éticas), qualquer dia teremos, isso sim, um Estado de "sharias" (muçulmanas) esquizofrénicas em que tudo é contraditório com tudo...Nessa altura, os "fundamentalistas" das 'éticas' terão o poder e não haverá lugar para qualquer noção de cidadania.

Não, não vou por aí!

10:14 da tarde  
Blogger Orlando Braga said...

Naturalmente que a Constituição está certa ― é assim que deve ser. No caso concreto não se aplica porque a mãe biológica delegou poderes de educação e o pai biológico só actuou passado pelo menos um ano depois do nascimento da criança. Quando o Direito Positivo não prevê uma determinada situação específica (como parece ser o caso) entra o Direito Natural (Equidade). Para a criança com dois anos de idade, aqueles pais adoptivos são já os seus pais naturais.

A adopção é feita para dar uma família a uma criança, e não para dar uma criança a uma família; se Lei estiver imbuída desta ideia, estará conforme a ética.

10:14 da tarde  
Blogger victor rosa de freitas said...

Está justificado porque é que o progenitor só cerca de uma ano depois do nascimento procurou a criança (está no texto do artigo). Logo que foi estabelecida a sua paternidade, procurou-a.

A ser como diz, qualquer sequestrador de uma criança que passe a sofrer do síndroma de Estocolmo, tem o direito de ficar com ela, mesmo contra os pais (os Tribunais que atribuiram o poder paternal ao pai biológico analisaram muito bem e em pormenor esta questão).

(O Direito Natural e a equidade só são juridicamente relevantes nas lacunas da Lei, o que não acontece neste caso. O que se passa aqui é que, em norma válida, é previsto o "interesse superior da criança", cuja ética é "indefinida" e, por isso, não pode ultrapassar aquela outra ética, consagrada, designadamente na Constituição, de que os pais, para além de deveres, têm o DIREITO aos seus filhos. Não se pode nunca esquecer que o "interesse superior da criança" nunca anula tal DIREITO dos pais. Este só cede quando os pais não cumprem os seus deveres fundamentais em relação aos filhos, o que também não é o caso do progenitor Baltazar).

10:34 da tarde  
Blogger Orlando Braga said...

Que fique claro que eu simpatizo tanto (ou menos) com o casal adoptante como com o pai biológico. A minha preocupação é a criança e a sua educação normal. Só.

A intenção do pai não conta se tivermos como prioridade o interesse da criança; de boas-intenções está o inferno cheio. A verdade é que, por situações diversas, a criança integrou-se em determinado ambiente familiar.

Levar a lei a uma rigidez tal que se torne desumana para quem não tem possibilidades de se proteger 8a criança) não faz parte da minha ideia de "legalidade".

10:48 da tarde  
Blogger victor rosa de freitas said...

Para finalizar, da minha parte, esta questão, apenas lhe direi que espero que o meu amigo nunca passe pela situação pessoal de lhe negarem o DIREITO aos seus filhos e, se são já maiores, ver um filho seu sem DIREITO aos seus próprios rebentos, porque outrem os pode tratar melhor.

A ética do "superior interesse da criança" pode levar a soluções, como propunha Platão, de serem nacionalizadas todas as crianças porque o Estado é que as podia melhor desenvolver.

Não é essa a opção da sociedade portuguesa.

Se os pais deixam de ter DIREITOS (erga omnes) sobre os seus filhos, porque terão interesse em educá-los e velar pelo seu bem?

Desculpe, mas não é verdade que a adopção é "só" arranjar uma família para uma criança; também é arranjar uma criança para uma família, sob pena de, não sendo assim,essa família, por coerência nos termos, não se interessar por adoptar uma criança.

Se Portugal é um país pobre, os seus habitantes têm que velar "pelo superior interesse das crianças" dentro das suas possibilidades e não dentro das possibilidades dos habitantes de paises ricos. A defender a tese de que a "ética" do "interesse superior da criança" não tem limites nem barreiras impostas pela situação real do país (e sua estruração fundamental)e das possibilidades dos progenitores bem-intencionados,a quem são (e devem continuar a ser) reconhecidos legalmente DIREITOS sobre os filhos, levará a que, qualquer dia, o BE defenda a nacionalização platónica de todas as crianças deste País. Com o beneplácito de muito bom conservador.

Toda a "família" tem Direitos e Deveres. Quer sejam pais, quer filhos. Idolatrar a "criança" retirando qualquer DIREITO aos pais é sempre um mau serviço à família.

Com sofrimento para todos os seus membros: pais e filhos.

Sofrimento que, mais tarde ou mais cedo, se manifestará.

Parecerá a muitos que a actual situação da Esmeralda entregue à família de acolhimento (escolhida única e exclusivamente pela mãe, que nunca pelo pai e com a mesma família a esconder, sistematicamente, a criança da família natural e, até, da Justiça)) será a melhor porque ainda é criança. Mas a criança é um ser que se desenvolve, cresce e amadurece. Sem ser, desde já, entregue ao pai (com acompanhamento, bem entendido), mais tarde ou mais cedo, sofrerá muito mais profundamente do que a manter-se a situação actual.

É a minha perspectiva quanto à (ainda)menor.

Mas a minha perspectiva passa também pela defesa da FAMÍLIA NATURAL, com DIREITOS e DEVERES.

Só quando esta falha em toda a linha se deve recorrer a famílias "adoptivas".

E ao pai natural ainda não foi dada qualquer hipótese do que pode fazer pela sua FILHA.

Disse!

12:12 da manhã  
Blogger Orlando Braga said...

Uma achega para não ficar nenhum mal-entendido:

Nunca defendi a posição de Platão. Pelo contrário, sempre defendi a integração da criança numa família com pai e mãe, no interesse superior da criança. Por exemplo, a defesa da legalidade estrita e inflexível levará à adopção gay. Por vezes, a leitura restrita da lei cria situações deste tipo.

Nunca aprovei o comportamento do casal Gomes, mas não é isso que está em causa aqui.

O que está em causa é saber se é eticamente aceitável que se exerça uma violência numa criança que se habitou a um determinado ambiente familiar, mudando-a de lar em nome de um direito de um adulto.

A ética tem uma hierarquia de valores. Eu penso que este tipo de violência não deve ser exercido, e é aqui que discordamos.

Rest my case.

12:42 da manhã  
Blogger H. Sousa said...

Afectivamente quase todos tendem a dar razão ao casal que acolheu a criança. Se a lei não dá, deverá ser alterada, mas a lei é para se cumprir (salvo nos casos que envolvem «tios», claro está). Por muito custoso que fosse, e desde que fosse assegurado o bem-estar da criança na nova situação (incluindo um período mais ou menos longo de transição), a lei devia ser cumprida. Porém, se os «tios» não a cumprem, porque é que o cidadão comum não pode também beneficiar de um "jeitinho" de modo a que o Estado pareça mais simpático aos olhos do povo?

7:11 da tarde  

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