AFINAL, DE QUE TÊM SAUDADES OS PORTUGUESES?
Os portugueses são as pessoas das saudades, palavra praticamente intraduzível nas outras línguas.
Os portugueses gostam dos seus deuses: seres inatingíveis pela generalidade das pessoas e que se distinguem destas porque têm ideais tão elevados quanto a uma vivência tão justa e ordenada que faria inveja a qualquer outro povo ou, pelo menos, que igualaria os portugueses aos povos mais desenvolvidos do mundo.
Depois, na vida prática e corrente, esses ideais não passam de miragens que nunca se concretizam, ou melhor, apenas se concretizam no seu contrário, com portugal entre os países mais atrasados.
Mas, mesmo assim, os portugueses votam neles e sentem-se orgulhosos dos seus deuses que lhes prometem concretizar os seus altos ideais e não conseguem. E têm orgulho neles, apesar disso, porque tais deuses apenas mostram que são tão humanos como a generalidade das pessoas, isto é, que, na prática, conseguem apenas o que o homem médio consegue: ir vivendo, ou melhor, sobrevivendo, perdoando e desenrascando.
As leis, para a generalidade dos portugueses, são comportamentos meramente indicativos. Para alguns deuses, porém, são de aplicação rigorosíssima, sejam tais deuses polícias, ministério público ou juízes. Mas como tais deuses, em breve, descem do seu pedestal divino para encarnar a mera condição humana, não deixam de tornar, de novo, a lei meramente indicativa e aproximativa do que é a regulação social num dito e pretenso estado de direito.
E os portugueses gostam disso.
Estão sempre à espera de um d. sebastião providencial, um homem salvador da pátria que assuma o controlo de tudo, um deus na terra. Quando este aparece, todos lutam para que ele desça à condição humana, que deixe de ser divino, para ser, e apenas, mundano como a generalidade das pessoas.
Os portugueses adoram prometeu, o semi-deus, porque este trouxe o fogo dos deuses ao povo. Mas adoram-no ainda mais acorrentado por zeus a uma rocha, precisamente porque não devia ter trazido tal fogo aos humanos, precisamente porque devia ser apenas humano.
E é neste ciclo vicioso entre o divino e o humano que se movem os portugueses.
Quando os portugueses vão para fora do país, para outros reinos em que todos são humanos, mas sempre com mais rigor, mais disciplina e mais responsabilidade, mais desenvolvimento, os portugueses têm saudades de portugal. Saudades dos divinos/humanos, do portugal nunca concretizado, do portugal que promete mas não cumpre, do portugal sempre adiado, mas sempre com os divinos a descer à condição humana, dos divinos adorados enquanto prometem grandes ideais, dos humanos medíocres adorados porque não são divinos.
Os portugueses adoram o impossível divino, mas adoram ainda mais a concretização e vivência no medíocre humano.
Por isso é que os portugueses, quando fora, têm saudades do seu país e, por isso, esta palavra não tem tradução noutras línguas.
4 Comments:
Eu percebo e concordo com o conteúdo do postal. Contudo, o problema é cultural, e não porque os portugueses são portugueses. A grande responsabilidade da cultura dos deuses/humanos é das elites que têm existido, porque o povo ― na sua crença ― reage às políticas das elites. O filósofo Slavoj Zizek define este fenómeno como “a crença através do Outro”: se o cidadão não sabe o significado exacto dos significantes políticos com quem se identifica por “transferência de crença”, isso acontece porque a sua crença política é mediada pela sua identificação com o Outro.
Conclusão: a culpa é das elites, e é contra as elites instaladas cultural e geograficamente que o povo te que se rebelar para voltar a ser humano.
"Conclusão: a culpa é das elites, e é contra as elites instaladas cultural e geograficamente que o povo te que se rebelar para voltar a ser humano."
Mas, digo eu, o povo já se rebela contra as elites (divinas e tão adoradas pelos seus altos ideais), querendo-as, no entanto, sempre mediocremente humanas.
Claro que o problema é cultural: é o que dá forma ao portuguesismo das "saudades".
Está tudo aqui explicado:
http://gotikka.blogspot.com/2008/07/um-livro-morte-de-portugal-por-miguel.html
Sobre o livro "A morte de Portugal" de Miguel Real.
Eu satirizo... ajuda a levar esta nossa cruz.
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