sexta-feira, junho 06, 2008

A justiça dos processos paralelos quer no crime quer na disciplina administrativa


Certos órgãos e corporações ligados à justiça, na fase de investigação, usam de processos paralelos para a recolha de provas e, na fase de decisão ou julgamento criminal, influenciar os defensores da acusação e, mesmo, julgadores, que só conhecem o processo oficial.

Segundo as constituições e os códigos de processo penal dos diversos países ocidentais, há provas que, obtidas por certos meios, são inválidas, feridas de nulidade, designadamente as obtidas por tortura ou meios de coacção ou interferência ilícita na vida privada. O mesmo se pode dizer, porque também se aplica legalmente, à disciplina administrativa.

O que fazem, então, as polícias em geral, com certas cumplicidades?

Quando se sentem perdidas numa qualquer investigação, prendem (em portugal prendiam, porque o novo código de processo penal já não o permite) um qualquer suspeito e, com este na prisão, enfraquecido, vão interrogá-lo, vão pôr agentes provocadores na sua cela para lhe tirar nabos da púcara, vão mesmo espancá-lo e torturá-lo ou fazer-lhe imaginativas sevícias para que ele confesse ou dê informações que, pelos meios legais, não conseguiriam obter. Mas como tais provas são legalmente nulas, como vimos, é organizado todo um processo paralelo, oficioso mas não oficial, em que elas são guardadas. É um dos processos paralelos, o processo oficioso e secreto. Neste, mutatis mutandis, o mesmo se pode dizer em relação à prática com certas testemunhas.

O outro processo paralelo é o oficial, para onde são carreadas as provas obtidas legalmente, segundo as constituições e as leis dos respectivos países.

A arte da investigação policial – com a cumplicidade de certos sectores das hierarquias mais elevadas dos promotores públicos – está em fazer a boa gestão destes dois processos paralelos, ou seja, como “passar” a prova do processo oficioso, com as provas ilegais - que está guardado a sete chaves pela polícia e a certo nível da promotoria pública e que nunca é objecto de contraditório ou tornado público, para toda a vida! – para o processo oficial que, quando em segredo de justiça não permitirá contraditório, mas que será aberto, mais tarde ou mais cedo, ao mesmo contraditório e ao conhecimento público.

Tal arte consiste em aplicar as sevícias e coacções, ou fazer intromissões ilegais, no processo oficioso e secreto e, enquanto o “declarante” ainda está em estado de choque e confuso, levá-lo à presença das autoridades em exercício legal de funções, com o processo oficial, onde aquele confirme, manobrado por “artistas” policiais para que lhe pareça ser do seu próprio interesse, agora “livre na sua pessoa e livre de qualquer coacção”, tudo o que anteriormente havia dito, passando aquela prova a ser legal.

Mas a arte passa ainda por orientar, a nível legal, os interrogatórios, dentro da legalidade, de suspeitos (ou mesmo testemunhas), não com base nas provas legais, mas nas provas ilegais: ou seja, o suspeito (ou a testemunha) nunca sabe onde foram os inquiridores buscar aquela informação sobre determinados factos com que o confrontam, parecendo saber tudo, para espanto daquele(a).

A marosca vai ao ar quando juízes competentes e atentos respeitam integralmente a lei e apreciam apenas a prova feita em julgamento, quando julgam as pessoas concretas que lhes são apresentadas e não apenas os próprios processos com as “provas” que deles constam.

O leitor poderá, à primeira vista, concordar que tais meios ilegais de obtenção de prova se justificam no combate a determinados crimes que, de outro modo, ficariam impunes. Tal argumentação cai pela base por diversos motivos: primeiro, porque tais provas não são fiáveis, pois os métodos por que foram obtidas estão viciados e não garantem credibilidade naturalística; segundo, porque não são objecto de contraditório directo; depois, porque violam os elementares direitos humanos quanto à integridade física e vida privada e intimidade dos suspeitos (ou testemunhas); por fim, porque não são só ilegais e nulas, também porque integram crime. Parecendo fazer sentido no combate a determinado crime, dilui-se e desfaz-se o mesmo sentido quando se pensa na sociedade globalmente, isto é, que, para se combater um determinado crime, cometem-se muitos mais e, estes últimos, ficam, geralmente, impunes, pelos motivos que vimos, relacionados com o seu secretismo e cumplicidade a alto nível.

O novo código de processo penal português de 2007 é um grande avanço na destruição dos processos paralelos, pois processo só deve haver um, o legal e oficial e mais nenhum.

Mas se é assim a nível criminal, já o mesmo se não passa para fins internos, isto é, para fins disciplinares. Nos processos administrativos disciplinares nem sequer há um julgamento da matéria de facto por um terceiro isento e imparcial, sendo que o inquiridor e, depois, o decisor, podem dar como provado aquilo que bem quiserem, no processo oficial, designadamente baseados em provas ilegais que constam apenas do processo paralelo secreto, tudo o que só muito dificilmente será desfeito a nível de contencioso administrativo, já que este é, fundamentalmente, um contencioso de direito e de anulação, geralmente detector apenas de contradições formais. Poderá mesmo haver tráficos de influências, a alto nível, com o objectivo de sensibilizar juízes com a prova que existe no processo secreto e que só lhes é mostrado ou referido subrepticiamente e em segredo.

Há que combater os processos paralelos, designadamente expurgando o oficioso e secreto, nomeadamente com medidas legislativas.

Já houve um grande avanço, em portugal, como se viu, a nível (processual) penal. Falta alcançar tal escopo a nível disciplinar.

Para bem da segurança jurídica de todos nós.

Para bem do estado de direito.

Para bem da JUSTIÇA!

Já agora, pense nisso!
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