quarta-feira, março 27, 2013

Notas sobre crimes sexuais contra menores


Começamos por fazer, com a devida vénia, algumas citações da “Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra para obtenção do grau de Mestre em Medicina Legal e Ciências Forenses” de KAREN ELÓDIA BRITO DA SILVA – Coimbra 2010 (LINK), por tal documento analisar, com objectividade e rigor, a disciplina dos crimes sexuais, designadamente em que são vítimas menores:
1.- “(…) o objectivo fulcral na disciplina dos crimes sexuais, não pode ser outro, senão a protecção do bem jurídico, sendo a liberdade sexual[…] «A liberdade de se relacionar sexualmente ou não e com quem, para os adultos; a liberdade de crescer na relativa inocência até se atingir a idade da razão para então e aí se poder exercer plenamente aquela liberdade.»” (pág. 13)
2.- “Artº. 171 CP:
1-Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo consigo ou com outra pessoa, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos;
2- Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal ou coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos;
3- Quem:
a) Importunar menor de 14 anos, praticando acto previsto no artigo 170.º; ou
b) Actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos;
é punido com pena de prisão até três anos.
4 - Quem praticar os actos descritos no número anterior com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.”

“Da leitura do n.º1 [resulta] que a prática de actos sexuais continua a ser punível, por ser prejudicial ao desenvolvimento natural e livre da esfera sexual do menor.”
“Segundo FIGUEIREDO DIAS o acto sexual de relevo deve entender-se como sendo todo o acto que, de um ponto de vista predominantemente objectivo, assuma uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionado com a esfera da sexualidade e, por esta via, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou o pratica.” (pág. 15)
3.- “O bem jurídico protegido
“O direito Penal Português deve intervir para garantir a vida em comunidade, para proteger a pessoa, dos seus direitos e liberdades, mas respeitando sempre o seu livre arbítrio. Na norma do art. 171º CP (abuso sexual de crianças) protege-se especificamente o direito à protecção da sexualidade numa fase inicial ou de desenvolvimento, carecendo inevitavelmente de tutela jurídica. Consagra-se, assim, a protecção da liberdade sexual, na sua vertente defensiva,tutelando-se uma vontade individual ainda insuficientemente desenvolvida, contra os abusos que sobre ela executa um agente, aproveitando-se da sua imaturidade. (pág. 19)
4.- “Entende-se que o limite etário dos catorze anos corresponde à fronteira entre a infância e a adolescência. Compreende-se, assim, que a lei classifique como crime contra autodeterminação sexual, previsto no art. 171º CP, o abuso sexual de crianças.
“O bem jurídico encontra a sua fonte na Constituição da República Portuguesa, mais precisamente, no artigo 69º, relativamente ao qual escrevem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA: "Consagra-se neste artigo um direito das crianças à protecção, impondo-se os correlativos deveres de prestação ou de actividade ao Estado e à sociedade. A razão da lei penal, mais do que a busca de valores comuns, é o modelo dum desejo partilhado de segurança.
“O ordenamento jurídico português proclama que o bem jurídico protegido é a liberdade pessoal do ponto vista sexual do adulto e o desenvolvimento imperturbado da juventude, reconduzindo-se este à protecção da liberdade na medida em que a protecção da juventude se deve á circunstância de o jovem não ser ainda capaz de se autodeterminar na esfera sexual.
“A criança encontra-se numa situação especial em relação ao adulto, entendendo-se que deve ser garantido e preservado o seu futuro, beneficiando de condições de igualdade de oportunidades.
“A especificidade dos abusos sexuais reside numa necessidade de protecção da sua inocente confiança no outro. O bem jurídico tutelado com a incriminação de abuso sexual de crianças visa nomeadamente proteger a autodeterminação sexual, mas sob uma forma muito particular: protegê-la face a condutas de natureza sexual que, tendo em consideração a idade precoce da vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade. A lei presume que a prática de actos sexuais com crianças prejudica o desenvolvimento global da própria vítima.
“Segundo COSTA ANDRADE, até atingir um certo grau de desenvolvimento, indiciado por determinados limites etários, o menor deve ser preservado dos perigos relacionados com o desenvolvimento prematuro em actividades sexuais” (pág. 20)
5.- FIGUEIREDO DIAS fala numa obrigação de castidade e virgindade quando estejam em causa menores, seja de que sexo for.
“O tipo legal previsto no art. 171º CP sob a designação de crimes contra a autodeterminação sexual visa proteger o direito à protecção da sexualidade. Na realidade, deve-se considerar o bem jurídico protegido a liberdade sexual em sentido amplo, que, não obstante não sofrer alterações em função da idade, se concretiza de formas diferentes. Consequentemente são punidas condutas que incidem sobre menores por, atendendo à idade, se entender que estes não são capazes de se autodeterminar sexualmente. Do exposto retira-se que são punidas as condutas que ofendem a liberdade sexual da criança, ou seja, a intervenção penal fica sujeita aos interesses de cada cidadão e não a uma concepção geral da comunidade relativamente à moral e ao pudor.
Em síntese, os tipos legais previstos, pretendem preservar a pureza da criança para que, no futuro, estas consigam alcançar o pleno e livre desenvolvimento da sua personalidade na esfera sexual.” (pág. 21)
(FIM DE CITAÇÕES DA OBRA REFERIDA, com negrito e sublinhado nossos)
Poder-se-á afirmar, com base em todas as citações referidas, designadamente na última, que se a criança, embora menor de 14 anos, já perdeu a sua pureza, castidade e inocência sexual, estando, pois comprometido que, no seu futuro, consiga alcançar o pleno e livre desenvolvimento da sua personalidade na esfera sexual, o agente que, com ela assim, pratica acto sexual de relevo, ainda comete o crime de abuso sexual de menores?
Se a teleologia do tipo criminal visa proteger “a castidade e virgindade quando estejam em causa menores, seja de que sexo for” e se estas já não existem, mantém-se a ilicitude da conduta do agente adulto?
Perguntando de outra maneira: se o adulto tem práticas sexuais (sem qualquer violência, ou cairíamos no tipo que protege as próprias vítimas adultas) com menor verdadeiramente prostituído sexualmente, ainda se mantém a ilicitude da conduta daquele?
Parece bem, salvo douta opinião divergente, que a resposta a todas estas questões apenas pode ser negativa: não há, em tais casos, ilicitude e, portanto, a prática de crime.
Só deverão ser punidas aquelas condutas enquanto o menor, vítimas delas, tiver pudor ou inocência e castidade sexual, ou seja, só devem ser punidos os agentes que, de algum modo atentem contra o mesmo pudor, inocência e castidade sexual do menor.
Será que no caso Casa Pia – dando de barato a prova da prática dos factos imputados aos agentes – os arguidos, com excepção do Bibi (que “iniciou”, segundo parece, já que era de dentro da casa, menores em práticas sexuais), cometeram, assim, qualquer crime?
O Acórdão de condenação de 1ª instância usa sempre da mesma expressão quanto a esta questão, em relação a todos e cada um dos arguidos:

“O arguido sabia que manter com o jovem as práticas sexuais que o Tribunal deu como provadas – coito oral e coito anal - afectava de forma grave o normal e saudável desenvolvimento psíquico, afectivo e sexual do mesmo, tendo agido de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida pela lei.

Será que é assim, mesmo relativamente a menores cujo pudor, inocência e castidade sexual já haviam sido anteriormente perdidos?

Que “normal e saudável desenvolvimento psíquico, afectivo e sexual” está o Tribunal a defender?

Depois do “caldo entornado”, por falha absoluta, a montante, das instâncias de controlo do desenvolvimento normal de crianças – que tinham a responsabilidade de as proteger e denunciar o “início” dos abusos -, pretende-se punir – e pune-se –, a jusante, criminalmente, os “monstros” que apenas podem ser sancionados MORALMENTE.

E a resposta de todos os arguidos (mesmo o Bibi, com aparente evidente falta de fundamento, quanto às suas possíveis condutas de “iniciação” de menores) é que não cometeram qualquer crime…
E, na verdadeira teleologia das “coisas”…mesmo com a prova dos factos…parece bem que não (com a ressalva assinalada)…e o citado fundamento (chapa) do Tribunal não parece colher…de todo.
Não será este um caso como aqueloutro em que um indivíduo, portador do vírus da SIDA, é acusado de infectar e, assim, ofender a integridade física de outro, com quem manteve relações sexuais, sendo certo que este último já estava infectado com o mesmo vírus quando se relacionaram?
Às verdadeiras vítimas de crimes (os menores a quem foi tirada a castidade, o pudor e a inocência sexual) acrescentam-se novas vítimas de crimes (agora adultos, ao serem punidos criminalmente pelo Estado, onde só poderia haver condenação MORAL).
PS.- Como resulta da leitura atenta deste texto, parte-se do princípio, nas suas considerações, que é verdadeira a matéria de facto dada como provada no julgamento do processo Casa Pia, e que a expressão «“monstros” que apenas podem ser sancionados MORALMENTE» é usada em tal contexto e enquadramento. Ressalva-se, contudo, a dúvida insanável que nos continua a perseguir quanto à veracidade, para os juízes, dos depoimentos (único meio de prova) das vítimas de “abusos sexuais”, uma vez que já não possuíam a castidade, o pudor e a inocência sexual (e não só) e dadas as suas comprovadas personalidades problemáticas (e não só) e os seus depoimentos cheios de contradições endógenas e exógenas.


Esclarecimento: este meu artigo NÃO DEFENDE que os adultos devem poder ter actos sexuais com menores, designadamente menores de 14 anos. O que ali se afirma e se tenta concluir é que, no quadro legal vigente, sendo a criminalização de tais actos fundamentada na autodeterminação sexual do menor, isto é, na defesa de uma vontade individual ainda insuficientemente desenvolvida, contra os abusos que sobre ela executa um agente, aproveitando-se da sua imaturidade, tal fundamentação exclui a ilicitude do tipo quando o menor já perdeu a castidade, o pudor e a inocência sexual.
Assim, das duas uma:
- ou se reconhece que a autodeterminação sexual do menor em tais circunstâncias (já sem castidade, pudor ou inocência sexual) não é fundamento suficiente para a punição, por falta de ilicitude do acto do agente adulto ou
- querendo-se manter a punição mesmo em tais casos, deve o tipo criminal assentar também em razões de moralidade social, designadamente impondo aos agentes criminalmente imputáveis limites absolutos à sua vivência sexual com qualquer menor de 14 anos.
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