quarta-feira, fevereiro 25, 2015

O TABACO, NA GRÃ-BRETANHA E NO JAPÃO, NO SÉC. XVII...


«No ano de 1604, o rei Jaime teve muitos problemas. Para começar, que Jaime era ele? Como rei escocês, era Jaime VI, «Jamie Saxt», o último numa longa linha de Stuarts. Porém, agora estava em Londres, em Inglaterra, onde era Jaime I. Qual era, então, exatamente, o seu reino?
«Propôs o nome de Grã-Bretanha, de que os ingleses não gostavam, e tratou de conceber uma nova bandeira, uma amálgama de linhas e cores hostis à vista de que ninguém gostou a princípio. Desejava a paz com o tradicional inimigo católico de Inglaterra, a Espanha. Tal como a tantos monarcas, faltava-lhe também o dinheiro. Contudo, Jaime, intelectualmente assertivo, estava particularmente preocupado com um problema social, uma obsessão que invadia o seu novo reino e que considerava completamente repulsiva. Pegou na caneta e papel e redigiu um panfleto que intitulou, simplesmente: «Uma Réplica ao Tabaco».
«Por toda a sua nação, os homens imitavam os «índios selvagens, hereges e abjetos» ao fumarem folhas, «com aquele fumo nauseabundo a ser inspirado pelo nariz e aprisionado nos cérebros frios e húmidos». O rei sentia-se particularmente irado com aqueles que fumavam sobre a comida: «Quanto às futilidades cometidas com este sórdido costume, não será ao mesmo tempo deveras fútil e impuro que, à mesa, os homens não se envergonhem de pegarem em cachimbos para lançarem baforadas de fumo de tabaco uns sobre os outros, levando a que o fumo e fedor imundos alastrem sobre os pratos?» Neste ponto, já o monarca baboso e de barba ruiva se sentia lançado. Terminava com uma magnífica efusão: o tabaco era um «costume censurável à vista, odioso para o nariz, nocivo para o cérebro, perigoso para os pulmões e daí que o fumo negro e malcheiroso seja o que mais se assemelha ao horrível fumo do Estige, que exala de um poço sem fundo.
«Do outro lado do mundo, outro governante debatia-se exatamente com o mesmo problema. O tabaco também chegou ao Japão, provavelmente através de influência jesuíta portuguesa. O homem que teoricamente governava, o imperador, era uma figura ornamental: mas o verdadeiro líder do país, o generalíssimo, ou "shogun", censurava tanto o tabaco quanto Jaime. Também ele decidiu proibi-lo. Na remota Inglaterra, o tabaco era visto como um hábito de piratas desregrados, associados ao convívio ruidoso nas tabernas e ao público do teatro. No Japão, bandos de homens indisciplinados, uma espécie de "punks" do século XVII, os "kabukimono", também haviam adotado o tabaco.
«Os "kabukimono» constituíam gangues de rua que trajavam de forma provocadora, com quimonos femininos a servirem de capas; usavam penteados irreverentes e comportavam-se de forma agressiva em público, atacando os transeuntes, lutando e dançando, e exibindo os seus longos cachimbos fumegantes. Assim, em 1612, e de novo em 1615, a corte japonesa foi mais longe do que Jaime e proibiu o ato de fumar. Foi algo que causou grande agitação. Sentado no seu gabinete em Osaka, um comerciante inglês chamado William Eaton escreveu a 1 de março de 1613 ao seu colega Richard Wickham, na capital japonesa Edo (agora Tóquio), a informá-lo de que pelo menos 150 pessoas haviam sido presas «por comprarem e venderem tabaco, em infração à ordem do imperador, e têm a vida em risco, além de haver sido queimada a grande quantidade de tabaco que tinham em armazém».»
(In "HISTÓRIA DO MUNDO", de Andrew Marr, Texto Editores, págs. 344 a 346)
on-line
Support independent publishing: buy this book on Lulu.