segunda-feira, fevereiro 09, 2015

JURIDICIDADE ADMINISTRATIVA...


«O que é para nós "evidente" é que o controlo do erro manifesto de apreciação teve por objetivo, pelo menos inicialmente, mitigar a ausência de controlo da qualificação jurídica na jurisdição administrativa francesa.
«Esta confusão conceptual, que resultou da introdução da figura do erro manifesto de apreciação no contencioso administrativo, mantém-se nos dias de hoje. O que tradicionalmente se designou por erro manifesto de apreciação não é outra coisa senão o erro manifesto de qualificação jurídica. Este equívoco originário está por detrás da dificuldade de ampliar e intensificar o controlo jurisdicional do poder administrativo. Não sendo tão otimistas como LAUBADÈRE, cremos que o esclarecimento desta histórica confusão permitirá desencadear maiores e melhores desenvolvimentos da justiça administrativa.
«Por último, o controlo jurisdicional ganharia se partisse não do objeto do poder discricionário mas do "objeto do controlo": as operações do raciocínio jurídico levadas a cabo pela Administração e que o juiz poderá seguir sem qualquer receio ou temeridade.
«O que propomos, por outras palavras, é que deve ser feita uma releitura do controlo do juiz da liberdade de decisão deixada pela lei à Administração, utilizando para o efeito uma nova medida - as operações do raciocínio jurídico. Sem ignorar o magnífico esforço da doutrina para ligar a competência vinculada ao controlo da qualificação jurídica e o erro manifesto de apreciação ao controlo da competência discricionária (oportunidade), somos de opinião que não é suficiente. Impõe-se uma nova interpretação do papel do juiz por detrás da alienação semântica da terminologia dos Acórdãos, uma análise feita a partir dos momentos e operações do raciocínio jurídico. O objeto do controlo jurisdicional não seria o exercício do poder discricionário mas as operações do raciocínio jurídico, o que remeteria o juiz para o campo da interpretação e da qualificação jurídicas, portanto, para o controlo de legalidade em sentido amplo (juridicidade).
«Em suma, do que se trata - com as cautelas e precisões anteriormente postas -, é de um controlo do erro "normal" de qualificação jurídica, até porque o controlo do erro manifesto de apreciação só é próprio de um contencioso administrativo de legalidade se entendermos o mérito como o resultado final do exercício do poder discricionário. Este é o caminho, se não quisermos continuar por caminhos e conclusões fracassantes.
«Partindo da consciência do equívoco fundacional do direito administrativo francês, onde se construiu o erro manifesto da qualificação jurídica como erro manifesto de apreciação, o método a seguir é distinguir, até onde for possível, os momentos da constatação, qualificação e apreciação dos factos. Sempre que o juiz siga escrupulosamente este método, é possível alargar e intensificar o controlo jurisdicional do poder discricionário, limitado apenas aos casos de erro manifesto de apreciação, que seria o último limite.
«Em conclusão, a nossa proposta é a de que o objeto do controlo jurisdicional são as operações intelectuais levadas a cabo pela Administração pública e não propriamente o poder discricionário, onde o juiz pouco pode fazer.
«"Devemos reaprender a pensar com os nosso botões".»
(In "REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO, nº 140, "O véu da evidência na justiça administrativa: à procura do significado perdido do 'erro manifesto de apreciação'", de Colaço Antunes e Joana Costa e Nora, págs. 174 e 175)
on-line
Support independent publishing: buy this book on Lulu.