sexta-feira, fevereiro 13, 2015

CONFIANÇA BÁSICA E FÉ RELIGIOSA...


«Desde os meus tempos de estudante que me pareceu importante fazer a distinção, em nome da clareza, entre a confiança básica e a fé, no sentido de uma fé religiosa ou de uma fé em Deus. Não quereria, de modo algum, interpretar o ser humano de uma forma diferente daquela como se entende a si mesmo, nem - ao contrário de outros teólogos - fazer de Nietzsche um crente em Deus ou dos ateus e agnósticos cristãos ocultos, «implícitos» ou, como disse no seu tempo, o teólogo Karl Rahner, «anónimos». Desde muito cedo ficou claro para mim que os judeus e muçulmanos, sobretudo, não iam gostar nada desta espécie de «anonimização» teológica, por a considerarem uma tentativa de monopolização cristã.
«No entanto, a relação entre a confiança básica e a fé em Deus pode ser muito complexa. Tendo em conta a minha experiência, confirmada por Erik Erikson, podem distinguir-se três tipos de pessoas:
« - Há pessoas que extraem a sua confiança na vida de uma fé religiosa. Essas pessoas, motivadas pela religião, são capazes de assumir compromissos extraordinários nas suas vidas, bem como de aguentar reveses e perseverar no meio das crises: crentes convencidos e convincentes.
« - Mas também há pessoas que se classificam a si mesmas como crentes e, no entanto, não têm confiança alguma na vida, nos outros e em si mesmas. Estas pessoas encontram-se numa situação precária. Com as mãos, apalpam, por assim dizer, as nuvens do céu, mas não encontram nesta terra um verdadeiro fundamento. Vivem alheadas do mundo, são fanáticos e ativistas religiosos que não têm os pés no chão.
« - Por último, há pessoas que têm confiança na vida sem possuírem, ao mesmo tempo, uma fé religiosa. Não se pode negar que estas pessoas ligadas à terra sejam eventualmente capazes de vencer os desafios da vida tão bem, ou inclusive melhor, do que alguns crentes. Extraem a sua confiança na vida das relações humanas, do trabalho produtivo, da atividade científica ou política, de uma ética humanitária.
«Do que atrás foi dito, extraio a seguinte conclusão: graças à sua confiança básica, os ateus e agnósticos também podem ter uma vida autenticamente humana, isto é, humanitária e, neste sentido, moral. Dito por outras palavras, do ateísmo não decorre necessariamente um niilismo. Neste ponto, não posso deixar de contradizer Dostoievski: mesmo quando não existir Deus, nem tudo é permitido!»
(In "Aquilo em que creio", de Hans Küng, Temas e Debates-Círculo de Leitores, págs. 33 e 34)
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