quarta-feira, dezembro 30, 2009

AINDA SOBRE OS DESPACHOS DO PGR NO CASO DAS ESCUTAS

Os despachos do presidente do STJ sobre as escutas ao Primeiro-Ministro foram tornados públicos, AQUI, em 30.12.09, sendo que o primeiro daqueles despachos tem a data de 3.09.09 e o segundo a data de 27.11.09.

Dado o tempo decorrido entre a prolação de tais despachos e a sua publicação e aceitando que os conteúdos dos mesmos correspondem com as datas neles apostas, façamos uma breve análise do que neles se diz e das consequências para os despachos do PGR.

Lê-se, na sua Nota à Comunicação Social (que se pode ler na íntegra, AQUI), de 23.12.09, do PGR, no seu ponto 1.º que:


“Recebidas que foram na Procuradoria-Geral da República certidões extraídas daquele inquérito, o Procurador-Geral da República proferiu em 23.07.2009 um despacho onde se escreveu como conclusão:

“a) Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 187º, n.ºs 1, 7 e 8, 188º, 11º, n.º 2, alínea b), e 190º do Código de Processo Penal, são nulos os actos relativos à intercepção, gravação e transcrição das conversações e comunicações em que intervém o Primeiro-Ministro.

“b) Não existem, mesmo abstraindo desta nulidade, indícios probatórios que determinem a instauração de procedimento criminal contra o Primeiro-Ministro, designadamente pela prática do crime de atentado contra o Estado de Direito, previsto e punido pelo artigo 9º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho.”

“E, em 18.11.2009, outro despacho no qual se concluiu da seguinte forma:

“a) Não existem, no conjunto dos documentos examinados, elementos de facto que justifiquem a instauração de procedimento criminal contra o Primeiro-Ministro José Sócrates e/ou qualquer outro dos indivíduos mencionados nas certidões, pela prática do referido crime de atentado contra o Estado de Direito;

“b) Entregues que se encontram as certidões e CDs ao Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, aguardar-se-á que se pronuncie sobre os actos relativos à intercepção, gravação e transcrição das conversações e comunicações em que intervém o Primeiro-Ministro;”

Lê-se, agora, porém, no despacho do pSTJ, de 27.11.09, a fls. 8, nº 6, que:

"6. A decisão do Pr. STJ ao abrigo do artigo 11º, nº 2, al. b) do CPP, é proferida no exercício do poder jurisdicional e deve ser tomada no processo: o processo enviado pelo M.P. no qual foram proferidos os despachos do PGR, integrado por um conjunto de certidões e elementos extraídos do inquérito nº 362/08.1JAAVR, e que constitui parte integrante deste inquérito, especificamente organizado com a finalidade de permitir o exercício da referida competência."

Significa isto que o pSTJ proferiu tal despacho no âmbito do inquérito de Aveiro, com os elementos previstos no artº 268º, nº 4 do Código de Processo Penal, tendo sido dispensada a apresentação de todo aquele inquérito, bastando-se com os elementos deste, corporizados nas certidões que lhe foram apresentadas pelo PGR?

Se assim fosse, nunca seria nulo, como muitos invocavam, tal despacho, com o argumento de não ter sido proferido no âmbito de um inquérito, mas apenas num expediente “administrativo”.

Mas o despacho do pSTJ diz que o conjunto das certidões e elementos extraídos do inquérito 362/08.1JAAVR (...) constitui parte integrante deste inquérito, especificamente organizado com a finalidade de permitir o exercício da referida competência. A que inquérito, afinal, se refere o pSTJ? Ao de Aveiro ou ao formado pelo conjunto das certidões especificamente organizado...[para] o exercício da referida competência?
A redacção do despacho do pSTJ é sibilinamente dúbia, falando eufemisticamente.
Para tirar qualquer dúvida, necessário se torna conhecer os despachos do PGR para se apurar se alguma vez mandou instaurar como inquérito o conjunto das certidões (o que parece ser, desde já, de afastar, porque na PGR não há inquéritos-crime e, no caso, o inquérito teria que ser instaurado nas secções criminais do STJ, "ex vi" do artº 11º, nºs 3, al. a) e 7 do Código de Processo Penal, o que nunca foi referido nos despachos do pSTJ).
Não havendo inquérito, mas expediente avulso ou administrativo, os despachos do pSTJ são nulos.
Mas, continuemos a apreciar os despachos do pSTJ como se fossem válidos.

Diz-se no despacho do pSTJ, de 3.09.09, a fls. 10 e 11:

"Porém, da competência do Presidente do STJ decorre que nenhuma consequência possa ser retirada dos elementos interceptados antes da decisão sobre a relevância desses elementos para o processo em que foram autorizadas as intercepções, ou seja, o aproveitamento de conhecimentos fortuitos.

"Daí que a decisão do JIC, ao retirar consequências de conversações interceptadas em que interveio o Primeiro-Ministro, valorando e dando sequência a conhecimentos fortuitos revelados por uma conversação, viola as regras de competência material e funcional do artº 11º, nº 2, alínea b) CPP, sendo, consequentemente, nula (artº 119º, alínea e) CPP.

"A nulidade afecta o despacho do JIC e todas as suas consequências processuais nomeadamente a comunicação ao MºPº, como notícia de crime, para a realização de inquérito."

Como consequência, o PGR não se poderia pronunciar sobre os elementos de prova constantes das certidões recebidas de Aveiro e consubstanciadas nas escutas, ANTES da decisão sobre a relevância desses elementos PELO presidente do STJ, como o fez o PGR, com a consequência de os seus despachos serem também NULOS, pelo menos nas partes referidas na alínea b) do despacho de 23.07.09 e na alínea a) do despacho de 18.11.09, referidos supra.

O que não invalida o que dissemos em artigo anterior deste blogue (LINK) no sentido de que o PGR, ao receber as certidões de Aveiro com a notícia de crime e ao pronunciar-se sobre os indícios deste, ANTES do despacho do presidente do STJ, ter violado o artº 262º, nº 2 do Código de Processo Penal, pois a notícia de crime, segundo este normativo, obriga à abertura de inquérito.

É que este crime nada tinha que ver com a investigação de Aveiro e era autónomo em relação àquela investigação, isto é, os elementos indiciadores de crime pelo Primeiro-Ministro (segundo o MP e JIC de Aveiro) era de atentado contra o Estado de Direito.

Porque se terá pronunciado, então, o PGR, sobre os “indícios probatórios” (sic) deste último crime, ANTES do despacho do pSTJ e sem abertura de qualquer inquérito?

Parece-me que a resposta já o PGR deu na comunicação social quando – face às afirmações do pSTJ, perante a mesma comunicação social de que esclarecessem o que lhe perguntavam perante o PGR, não fugindo a um conflito institucional – afirmou que ele (PGR) e o pSTJ estavam “sintonizados”.

“Sintonia” essa forçada pelo PGR, como parece óbvio, pois que deu, ilegalmente, a “dica” de falta de “indícios probatórios” antes dos despachos do pSTJ de modo a “ilibar” processualmente, mas ilegalmente, o Primeiro-Ministro, qualquer que fosse a decisão do pSTJ.

Mas o PGR ainda tem que dar uma explicação sobre o facto de ter afirmado tal falta de “indícios probatórios”, onde o seu subordinado e o JIC de Aveiro os viram e, apesar disso, afirmar, nos seu comunicado supra referido, nos pontos 7.º e 8.º, que:

“- 7º -

“Saliente-se que a investigação [em Aveiro] tem decorrido com observância de todos os princípios vigentes num Estado de Direito, sendo de elogiar a eficiência e discrição dos Magistrados do Ministério Público, designadamente do Departamento de Investigação e Acção Penal de Aveiro e dos Órgãos de Polícia Criminal que com ele colaboram;

“- 8º -

“São, por isso, destituídos de qualquer fundamento jurídico todos os comentários que ponham em causa a isenção dos investigadores e o seu rigoroso respeito pelas normas vigentes.”

Todos nós sabemos que há “visionários” no MP, que vêm crimes onde nada existe (e este é um caso paradigmático), mas daí até ao elogio daqueles, onde devia haver censura, vai um absurdo gritante, ainda que com a justificação de “acalmar isto”.

Realmente, sem as explicações devidas pelo PGR, a nebulosa que paira sobre quem deve (ou deveria) defender a legalidade e o Estado de Direito não para de se adensar.

Já agora, pensem nisto!
on-line
Support independent publishing: buy this book on Lulu.