segunda-feira, maio 23, 2005

A Alma Humana, o "Thymos", a Justiça e a Guerra

Na sua República, Platão pôs na boca de Sócrates a afirmação de que a alma humana era composta por três partes: uma que deseja, outra que raciociona e uma terceira, a que chamou thymos, sendo esta a fogosidade, o brio, o pundonor da personalidade, aquela parte que quer o reconhecimento dos outros, nas relações intersubjectivas, aquela parte que não quer o reconhecimento de coisas ou valores exteriores, no sentido económico, mas o reconhecimento de coisas, valores, ideias ou ideais do íntimo da alma, a sua afirmação, aquilo que na linguagem jurídica se reconduz aos termos técnicos de honra e consideração.

Se é verdade que desejamos ter coisas e satisfação de desejos (primeira componente da alma), também raciocinamos para os obter (segunda componente). Mas a terceira componente da alma é, sem dúvida, a mais importante. É, no fundo, o conjunto das outras duas em acção, é o brio da afirmação da personalidade, é o que nos faz lutar no Mundo, seja qual for a concepção filosófica, ideológica, política ou religiosa que tenhamos dele.
Certo é, também, que o homem, por natureza, instintivamente busca a sua relação com os outros seres humanos, busca a nobreza de não haver conflitos e que haja paz e harmonia, maneira, aliás, de satisfazer o melhor possível os seus desejos, segundo o raciocínio da lei do menor esforço.

Contudo, cada thymos de cada ser humano busca que a sua verdade (ainda que sobre o amor individual ou universal) prevaleça sobre a dos outros, pois a sua honra e consideração quer-se na afirmação no mundo e não na subjugação a qualquer outra verdade relativa de qualquer outro
thymos.

Hegel teorizou o choque dos diferentes thymos como o verdadeiro motor da História.

Quando o primeiro choque se deu entre dois seres humanos, houve um deles que o transformou numa luta de vida ou de morte, isto é, ou vencia o seu próprio thymos ou ele preferia morrer a subjugar-se ao outro. O outro cedeu e transformou-se em escravo do primeiro e este o senhor.

Como dizia Hobbes, no seu Leviathan, os seres humanos deixados em liberdade estão em permanente guerra uns contra os outros, pelo que há necessidade de um poder superior que os mantenha atemorizados.

Este poder superior sempre foi procurado pelos homens que se organizaram politicamente, criando o poder do Estado.

Mas o poder do Estado também era organizado segundo o thymos de alguém, primeiro de quem se sentia (e assim argumentava) ter um poder divino, derivado de Deus. Era o príncipe ou imperador, normalmente com o beneplácito da e aliança com a Igreja, que lhe legitimava o poder divino.

Conforme a força do poder religioso e do representante divino, assim se hierarquizava o poder com os diversos thymos a lutarem entre si e a força a determinar o poder.

A força, se inicialmente assentava na violência pura, veio também a ser conjugada com a força económica, que podia contar e comprar acólitos para o poder estabelecido.

E o motor da História ia evoluindo e descrevendo o seu percurso...

Mas o poder da violência e do dinheiro sempre se conjugou com um outro factor: o conhecimento. Quanto maior o conhecimento sobre os outros maiores eram as facilidades de conhecer e manipular as suas fraquezas de modo a fortalecer ou conservar o poder.

Mas a luta política fazia aparecer sempre novos e renovados thymos, todos os dias, com a renovação das gerações e com as variações das lutas dos vivos.

E as lutas políticas faziam vítimas em todos os sectores, do poder ou não.

E os homens raciocinavam sobre os males menores possíveis, sem abdicar do poder.

E faziam leis, que pretendiam universais e iguais para todos, defendendo que o poder (político) visava igualmente o bem de todos.
Até que se chegou à democracia em que alegadamente o poder assentava nos thymos do Povo.

Mas os thymos, todos diferentes impunham sempre uma realidade de luta.

Ainda hoje o mundo é assim...

Há das mais variadas alianças de thymos, conforme os seus interesses comuns, as suas concepções do mundo parecidas ou com os mesmos objectivos.

Pode-se falar de democracia, igualdade, Estado de Direito, socialismo, poder do povo, mas a realidade é inultrapassável: Sócrates tinha razão quando afirmava que uma parte da alma humana é constituída pelo thymos e, enquanto houver dois seres humanos com concepções do mundo e interesses diferentes, não há possibilidades de harmonia em sociedade, sem luta e sem poder político, por mais que na linguagem, religiosa ou política, se fale de tolerância.

Pois que um thymos para ser tolerante com outro, tem que dar razão a este último, e, dando-a, perde a sua...e perde-se a si próprio, o que é contrário à alma humana.

Para “regularizar” os choques entre os thymos foi criada a Lei e o Direito, como regras a observar por todos, mas sendo apanágio do Estado a sua aplicação através da Justiça.

É o “suum quique tribuere” romano.

Dar a cada thymos o que lhe é devido.

Com a intervenção da Lei e do Direito, a Justiça pode fazer ceder ambos os thymos em conflito ou apenas um.

Mas sempre de acordo com a Lei e o Direito, de modo a justificar e legitimar a sua intervenção perante o Povo.

Quando as “forças” dos dois thymos em conflito, ou de um deles, ultrapassam as forças do Estado e da Lei, a questão deixa de ser de Justiça para ser e apenas Política.

Nesse caso há toda uma luta para reorganizar a liderança política da sociedade e legitimar, de novo, o poder emergente com a Lei e o Direito, perante o Povo.

A política, em princípio, é a luta diplomática de forças de thymos, mais ou menos organizados, mas luta diplomática, dentro das regras da Lei e do Direito, isto é, preventiva da guerra.

Quando essa luta diplomática e preventiva falha, a luta passa à fase da guerra.

Mas a guerra também é luta política até à reorganização das forças dos thymos conflituantes de novo sob as regras da Lei e do Direito, de modo a legitimar o novo poder emergente do conflito.

Claro que, durante a guerra, as partes conflituantes também fazem apelo à Lei e ao Direito, mas apenas e estritamente para legitimarem a sua posição respectiva e ganharem apoios para a sua causa.

Finda a guerra e reorganizados os poderes, intervém, de novo, a Justiça para fazer o “balanço” das práticas dos contendores durante aquela, de modo a “branqueá-la” ou condená-la e fazê-la, de novo, de uma maneira ou de outra, aceite perante o Povo e legitimar a nova ordem perante o mesmo Povo.

É a Justiça dos vencedores sobre os vencidos.

A guerra pode ser entre Estados e Povos, mas também pode ser entre um cidadão e o próprio Estado ou uma corporação dentro deste.

E esta acontece quando a Justiça não intervém, para dizer o “suum”.

Conheça, aqui, a situação de um Magistrado que quer a intervenção da Justiça, mas em que esta não intervém (atempadamente), começando a desenhar-se um conflito de guerra.

O Magistrado quer Justiça, mas o sistema “diabólico” quer destruir-lhe o thymos, com uma corporação “kafkiana” a persegui-lo contra a Lei e o Direito e a Justiça a deixar passar o tempo.

O Magistrado perseguido vai “visitando” todos os poderes instituídos para conseguir que a Justiça diga o “suum”, de acordo com a Lei e o Direito, até agora sem resposta.

Não perca esta história bem real.

1 Comments:

Blogger Biranta said...

Excelente, sem dúvida!

8:30 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home

on-line
Support independent publishing: buy this book on Lulu.