quinta-feira, outubro 24, 2019

O CRIMINOSO OBJETIVO…

«O criminoso objetivo é precisamente aquele que se considera inocente. Subjetivamente, ele julgava a sua ação inofensiva, ou mesmo benéfica para o futuro da justiça. Mas é-lhe demonstrado que, objetivamente, ela prejuficou esse futuro. Tratar-se-á de uma objetividade científica? Não científica, mas histórica. Como saber se o futuro da justiça será comprometido, por exemplo, pela denúncia irrefletida de uma justiça atual? A verdadeira objetividade dos factos e suas tendências consistiria em, considerando todos os resultados, julgar a partir daqueles que pudessem ser observados cientificamente. Mas a noção de culpabilidade objetiva prova que essa estranha objetividade só pode ser fundamentada com base em resultados e factos apenas acessíveis à ciência do ano 2000, na melhor das hipóteses [NOTE-SE que este texto foi escrito em 1951]. Entretanto, ele resume-se a uma subjetividade infindável que é imposta aos outros como objetividade: é a definição filosófica de terror. Esta objetividade não tem um sentido que se possa definir, mas o poder atribuir-lhe-á um conteúdo, ao proclamar culpável tudo aquilo que ele não aprova. Aceitará dizer, ou deixará que os filósofos que vivem fora do Império digam, que o poder, portanto, corre um risco aos olhos da história, tal como correu o culpado objetivo, mas este sem o saber. A coisa será julgada mais tarde quando vítima e carrasco já tiverem desaparecido. Mas esta consolação só vale para o carrasco, exatamente aquele que não precisa dela. Entretanto, os fiéis são convidados regularmente para festas bizarras nas quais, segundo ritos escrupulosos, vítimas repletas de atos de contrição são oferecidas em sacrifício ao deus histórico.»
(In “O Homem Revoltado”, de Albert Camus, Livros do Brasil, págs. 256 e 257)
- Victor Rosa de Freitas –

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