terça-feira, julho 07, 2015

O INDETERMINISMO QUÂNTICO...


«Reorganizemo-nos, durante um momento. Os primeiros 25 anos do século XX foram palco de um êxito triunfal na nossa descrição do mundo físico: Einstein e as suas teorias da relatividade, a mecânica quântica de Heisenberg, Schrödinger e outros.
«O aspeto invulgar da mecânica quântica não está relacionado com a sua eficácia como teoria física: é a teoria mais bem-sucedida que temos da Natureza, capaz de descrever com um rigor fantástico as propriedades de inúmeros materiais, moléculas, átomos e partículas subatómicas. O desafio, no caso da física quântica, prende-se com a sua interpretação, com compreender o que está a acontecer «realmente». Já vimos como os objetos pequenos apresentam em simultâneo um comportamento de onda e de partícula consoante os aparelhos experimentais a que são sujeitos. Vimos que este comportamento dual resulta de uma indeterminação intrínseca na Natureza, resumida no «princípio da incerteza» de Heisenberg. Vimos que uma consequência deste princípio é que observador e observado não podem ser separados, uma vez que o mero facto de observar afeta o que está a ser observado. E faz mais do que afetar, e este é um ponto controverso, "determina" o que está a ser observado. Deixem-me dizê-lo de uma forma diferente: se a mecânica quântica estiver certa, e não existe qualquer indício de que assim não seja, o observador determina a natureza física do que está a ser observado. Um eletrão não é onda nem partícula: "torna-se" uma ou outra consoante o modo como é observado. Numa experiência de colisão, um eletrão comporta-se como uma partícula; se o fizermos passar por duas fendas estreitas, cria um padrão de interferência como uma onda. No mundo quântico, tudo é potencialidade, uma lotaria onde os resultados dependem de quem (ou do que) está ao comando.
««Mas, de certeza», contraporiam os realistas científicos, «que, na Natureza, as coisas devem ser algo antes de as observarmos; "têm de" existir sob uma forma qualquer».
««Talvez», responderia um estrito defensor da mecânica quântica, «mas não podemos dizer o que é esse algo e, na verdade, não importa; o que importa é que podemos explicar as nossas experiências com esta construção, apesar de ser estranha».
««Está a dizer-me que as coisas só existem quando olhamos para elas? Que, na verdade, o eletrão não está ali até interagirmos com ele?»
««Sim, é precisamente o que estou a dizer. Para todos os fins práticos, o eletrão só existe quando o medimos».
««Então, e no caso das coisas maiores? Afinal as rochas são feitas de átomos, as árvores são feitas de átomos, as pessoas são feitas de átomos. Também não estão ali até olharmos para elas?».
««Em sentido estrito, é verdade. Não sabemos se uma coisa existe enquanto não interagirmos com ela, incluindo as coisas grandes; "presumimos" que estão lá porque já estavam antes, mas não podemos ter a certeza enquanto não olharmos. Mas, na prática, a maior parte das pessoas imagina que deve haver uma linha divisória, ou melhor, uma região de transição onde o classicismo assume a preponderância como uma descrição eficaz da realidade física. Isto explica-se usando uma coisa chamada «decoerência», que exploraremos um pouco mais tarde.»
««Claro. Mas ninguém sabe como definir essa região de transição, não é? Em teoria pelo menos, nada existe até ser observado.»
««Parece tonto, eu sei. É por isso que não gostamos de ir lá. Usamos a mecânica quântica consoante é necessária, fazemos cálculos com ela e vamos para casa.»
««Tudo bem se não está preocupado com compreender verdadeiramente a natureza da realidade, se se contenta apenas com calcular coisas. Não que ir para além da prisão de "para todos os fins práticos"?»
««Bem, talvez a noção da mecânica quântica seja simplesmente que não podemos compreender a natureza da realidade, que temos de aprender a viver com essa perceção e aceitar que apenas podemos ter um conhecimento parcial do que a realidade é. Temos de aprender a abrir mão.»
««Não aceito. E quanto ao Universo em si? Não era pequeno perto do "Big-Bang"? Não era, na altura, um objeto quântico? Se era e se tudo é quântico, o Universo não deveria ser ainda um objeto quântico? Ou agora é clássico? Quem está a observá-lo?»
««Desculpe, amigo, mas está na hora de eu ir para casa.»
««"Esse est percipi"... Não foi isto o que o bispo George Berkeley afirmou, em 1710, "Ser é ser percebido"?»
««Sim, mas Berkeley afirmava isto como uma prova da existência de Deus, o eterno observador que, assim, dá realidade a todas as coisas. Não creio que nos ajude a compreender a mecânica quântica.»
««Os mistérios da existência e da natureza da realidade ficam entrelaçados...»
««Muito bem, agora vou "mesmo" para casa!»
«O esquivo comportamento quântico não está restrito ao muito pequeno; tudo é quântico, tudo é agitado e incerto. A diferença é que, no caso dos objetos pequenos, a agitação tem um impacto enorme, enquanto os objetos grandes têm agitações quânticas tão pequenas que parecem não ter nenhuma. O que se passa é que o mundo é quântico e não clássico. A mundivisão newtoniana é uma abordagem muito bem-sucedida ao que acontece nos objetos grandes, quando é «seguro» desprezar quaisquer efeitos quânticos. No entanto, é apenas uma abordagem. Embora existam maneiras de calcular quando é que os efeitos quânticos se tornam insignificantes (por exemplo, um pequeno comprimento de onda de De Broglie em comparação com as dimensões do sistema, temperaturas elevadas, forte influência ambiental), alguns efeitos quânticos persistem até escala surpreendentemente grandes. O Universo como um todo é quântico?»
(In "A ILHA DO CONHECIMENTO", de Marcelo Gleiser, Temas e Debates-Círculo de Leitores, págs. 255 a 258)
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