sábado, janeiro 23, 2010

Justiça para ricos e para pobres: lei de classes ou falha judiciária?



Muito se fala de uma Justiça para ricos e de outra para pobres.

É evidente que tal diferença existe.

Tratar-se-á da existência de uma legislação classista ou, pelo contrário, de falha judiciária, isto é, de falha na própria aplicação da lei?

Não nos referimos, aqui, aos casos cíveis porque, nestes, a repartição do ónus da prova leva a que, quem não prova o que invoca a seu favor, será prejudicado nos seus interesses, por falha própria.

Referimo-nos aos casos de Justiça penal, em que se busca a verdade material e em que a acusação e o próprio Tribunal estão vinculados legalmente à objectividade e à busca da verdade material e em que se não pode falar, portanto, propriamente de repartição de ónus da prova pela acusação e defesa.

Ao direito de defesa, para exercício do contraditório e bom apuramento da verdade dos factos e da boa aplicação do direito, ao direito de defesa, dizíamos, não corresponde legalmente um ónus da prova do que convém à defesa, mas antes o direito de exercer o contraditório em relação a uma posição acusatória que pode (e deve) ser procurado desde o início do inquérito segundo princípio de que o Ministério Público deve investigar “a charge et a décharge”, isto é, tanto contra como a favor do arguido, porque o que o mesmo MP procura é a verdade material.

Só que, na prática, o MP investiga, genericamente (vale dizer, para com os pobres), para provar apenas que o arguido cometeu o ilícito criminal, isto é, o tipo criminal previsto na Parte Especial do Código Penal, ou seja, se foi cometido o crime de ofensas corporais ou de furto, por exemplo, ou de homicídio ou qualquer outro, não se preocupando, genericamente com a Parte Geral do mesmo Código Penal, isto é, se a favor do arguido militam causas de exclusão da culpa e da ilicitude, legítima defesa ou estado de necessidade, erro relevante excluidor do dolo, etc...

É isto que se passa, genericamente, com os pobres e que por isso mesmo e por falta de advogados suficientemente preocupados (ou abonados monetariamente) não invocam a Parte Geral do Código Penal.

Com os ricos, já não é assim: como têm advogados preocupados (ou suficientemente abonados), estes irão sempre invocar aquelas causas de exclusão da ilicitude e da culpa, a legítima defesa, o estado de necessidade, o erro relevante, etc… desde o início do inquérito, o que obrigará, desde logo, o MP a investigar segundo as suas obrigações legais - que negligencia com os pobres.

Em resumo e em tese, direi que a justiça penal para os ricos funciona e que para os pobres não, e que isto não depende, genericamente, de a lei ser classista mas de falha judiciária para com os pobres, desde o Ministério Público que não investiga contra e a favor do arguido (até mesmo na fase de julgamento), passando pelos advogados que, por incompetência, falta de preocupação ou falta de abonação monetária, não actuam com rigor jurídico, até aos julgadores que (mal) vão confundindo o direito de defesa com um ónus do arguido de procurar, ele sim, a verdade material dos factos e o rigor na aplicação da lei, designadamente a Parte Geral do Código Penal supra referida.

Os pobres, genericamente e por falta de alternativa, “fiam-se na virgem e não correm”, o que os ricos nunca fazem, com as conhecidas consequências.

Já agora, pensem nisto!

1 Comments:

Blogger diconvergenciablog said...

Realmente interessante! Não sei bem como as coisas funcionam, mas sempre fiquei a pensar o porquê de nas poucas sentenças/acórdãos que li, o dolo do tipo aparecer sempre mais ou menos do nada...
Cumprimentos.

1:51 da tarde  

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