sexta-feira, maio 12, 2006

A IRA SEGUNDO ARISTÓTELES OU SÉNECA?

“Como disse, há duas circunstâncias que suscitam a ira: a primeira é pensarmos que fomos injuriados (…); a segunda é termos sido injuriados injustamente (…).”

- “Não há dúvida, concluirás tu (diz Séneca a Sereno) que a ira é uma peste terrível; diz-me então como se deve curá-la. – Ora, tal como eu disse nos livros anteriores, Aristóteles defendeu a ira e recomendou que não a anulássemos: afirmou que ela era o aguilhão da virtude e que, se a afastássemos, a alma se tornava inerme e incapaz dos grandes cometimentos. A alma deveria, pois, manifestar a sua perversidade e a sua ferocidade e evidenciar o monstro que é o homem enfurecido contra o homem e com quanto ímpeto se precipita não só para a destruição dos outros, mas também para a sua, não podendo levar os outros ao abismo sem que também ele se afunde. Isto será aceitável? Considerar são aquele que, como que arrastado por uma tempestade, não caminha por si mesmo mas é levado e feito escravo de um delírio furioso, não confiando a ninguém a sua vingança, mas executando-a ele próprio, com a alma e as mãos enfurecidas, tornando-se o carrasco daqueles que mais ama, cuja perda lamentará de imediato? Apresentar, como companheira e ajudante da virtude, uma afecção que perturba a reflexão, sem a qual nada pode fazer a virtude? As forças que a doença e os acessos suscitam no doente são caducas, de mau augúrio e só anunciam o pior. Não penses, por isso, que perco o meu tempo com coisas vãs, como se fosse duvidoso, aos olhos dos homens, que a ira é infame, pois houve um homem, com efeito, um dos mais ilustres filósofos, que lhe atribuiu um papel e que a considerou útil, porque creditava que ela dava ânimo nas batalhas, nas acções e em tudo aquilo que deve ser feito com algum ardor. Para que não nos enganemos, seja qual for a circunstância ou o local, devemos manter a fúria refreada e contida (…). Pretendo impedir que alguém se julgue livre da ira, pois também nos seres mais doces e mais calmos a natureza desperta a crueldade e a violência.(…)A ira não escolhe idade nem estatuto social. (…) A ira é um perigo tanto para os homens que têm uma vida irrequieta como para os que são mais serenos e equilibrados, para os quais é tão mais funesta e perigosa quanto mais mudanças neles provoca. Mas, tendo em conta que o mais importante é, em primeiro lugar, não nos irarmos, em segundo lugar, deixarmos de estar irados, em terceiro lugar, curar a ira de outra pessoa, recomendarei, primeiramente, que não fiquemos irados, depois, que nos libertemos da ira e, por fim, para travar e apaziguar um homem irado, reconduzi-lo à razão.(…). A ira traz o luto ao pai, o divórcio ao marido, o ódio ao magistrado, a oposição ao candidato. A ira é pior do que a luxúria, pois esta rejubila com o prazer, a ira rejubila com o sofrimento dos outros. Ela vence a malícia e a inveja: estas querem ver alguém infeliz, a ira faz os outros infelizes; estas deliciam-se com os males que acontecem aos outros, a ira não fica à espera do que a fortuna dita: fere aquele que odeia e não quer ser ferida. (…) Nada é mais penoso do que os conflitos. (…) Quem te lesou ou é mais fraco ou mais forte do que tu; se é mais fraco, poupa-o; se é mais forte, poupa-te a ti.”



(Séneca, sec. I a.C., “Da Ira”, Livro II, XXXI.1 e Livro III, III.1-6, V.1-6 e 8)


COMENTÁRIO:

Segui, durante longo tempo, o arquétipo que me era dado pela expressão “Colendos Conselheiros” (“Conselheiros” são juízes do Supremo Tribunal de Justiça) que se indignariam e deixariam levar pela ira, apenas e tão só perante a(s) Injustiça(s), segundo a lógica de Aristóteles.

Hoje, sou inequivocamente, nesta questão, seguidor de Séneca.

Sei o que é sofrer na pele as consequências da ira, mesmo que estritamente quando me senti injuriado por Injustiça(s), ainda que julgando, como Aristóteles, estar a servir a virtude.
Séneca "tem" razão.

3 Comments:

Blogger Cíntia said...

Olá, interessante a tradução do Sêneca que você postou. foi você que traduziu? existe alguma tradução do DE IRA em português?

parabéns pelo blog!

1:29 da manhã  
Blogger victor rosa de freitas said...

Há uma tradução em português da "Ira", de Séneca, da ÉSQUILO, Edições e Multimédia, em Séneca, "A FELICIDADE e a tranquilidade da alma".

1:42 da manhã  
Blogger Maria Assis said...

Muito bom !

11:11 da tarde  

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