sexta-feira, dezembro 13, 2019

AS COISAS MATERIAIS E OS FRADES FRANCISCANOS…

«Estou a tentar compreender a noção de que a pobreza extrema é fonte de alegria. O irmão Crispin chama «a grande mentira» à noção de que as coisas materiais podem fazer-nos felizes. O nosso materialismo crescente, diz, é uma forma se dependência.
«As pessoas pensam que podem preencher o vazio com bens materiais, mas não conseguem. Só faz com que queiramos mais coisas. E podíamos enfiar o oceano inteiro nesse vazio, que mesmo assim não o preencheríamos.
«Até agora, sempre vi a pobreza dos frades como uma forma de autonegação, quase de masoquismo. Mas ninguém os obrigou a viver assim e, como Gandhi observou, «o comedimento autoimposto não é uma compulsão». Para os frades, a pobreza material representa a liberdade. Por não terem nada, estão livres da obrigação de proteger as suas coisas, livres de ambicionarem as coisas dos outros (ou que os outros ambicionem as suas), livres de terem de melhorar constantemente as suas coisas, livres da preocupação sobre se têm as coisas certas, livres de terem de arranjar espaço para todas as suas coisas. E não apenas bens materiais. Experiências também. Também podemos estar demasiado ligados a elas, e disto eu sou culpado. Coleciono experiências: a refeição perfeita, a viagem perfeita, cada uma mais perfeita do que a anterior. A coleção nunca está completa e nunca estará, enquanto eu não der ouvidos às palavras de Ali ibn Abu Talib, o quarto califa do islão: «o ascetismo não significa que não devemos possuir nada, mas sim  que nada deve possuir-nos a nós.» As nossas experiências podem possuir-nos, tanto como os bens materiais, apesar de ocuparem menos espaço nos armários.
«Sem televisão, rádio ou internet, os frades não sabem muito sobre o que se passa no «mundo real». No entanto, parecem sobreviver muito bem assim. Calculam que as notícias de algo verdadeiramente importante acabarão por chegar até eles. Penso em todo o tempo que investi em estar ao corrente e atualizado e pergunto-me se terá sido um bom investimento. Sou bem versado nos problemas do mundo, mas faço muito pouco a esse respeito. Os franciscanos sabem muito menos mas, fazem muito mais. Na verdade, encontram um certo prazer perverso em estar tão desligados. «Estou tão desatualizado, que estou atualizado», é uma das frases preferidas do padre Glenn, um dos fundadores da ordem.»
(In “Uma viagem pelo mundo à procura de Deus”, de Eric Weiner, Lua de Papel, págs. 160 a 162)
- Victor Rosa de Freitas –
Benavente, 13.12.2019
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