AS COISAS MATERIAIS E OS FRADES FRANCISCANOS…
«Estou a tentar compreender a
noção de que a pobreza extrema é fonte de alegria. O irmão Crispin chama «a
grande mentira» à noção de que as coisas materiais podem fazer-nos felizes. O
nosso materialismo crescente, diz, é uma forma se dependência.
«As pessoas pensam que podem
preencher o vazio com bens materiais, mas não conseguem. Só faz com que
queiramos mais coisas. E podíamos enfiar o oceano inteiro nesse vazio, que
mesmo assim não o preencheríamos.
«Até agora, sempre vi a pobreza
dos frades como uma forma de autonegação, quase de masoquismo. Mas ninguém os
obrigou a viver assim e, como Gandhi observou, «o comedimento autoimposto não é
uma compulsão». Para os frades, a pobreza material representa a liberdade. Por
não terem nada, estão livres da obrigação de proteger as suas coisas, livres de
ambicionarem as coisas dos outros (ou que os outros ambicionem as suas), livres
de terem de melhorar constantemente as suas coisas, livres da preocupação sobre
se têm as coisas certas, livres de terem de arranjar espaço para todas as suas
coisas. E não apenas bens materiais. Experiências também. Também podemos estar
demasiado ligados a elas, e disto eu sou culpado. Coleciono experiências: a
refeição perfeita, a viagem perfeita, cada uma mais perfeita do que a anterior.
A coleção nunca está completa e nunca estará, enquanto eu não der ouvidos às
palavras de Ali ibn Abu Talib, o quarto califa do islão: «o ascetismo não
significa que não devemos possuir nada, mas sim
que nada deve possuir-nos a nós.» As nossas experiências podem
possuir-nos, tanto como os bens materiais, apesar de ocuparem menos espaço nos
armários.
«Sem televisão, rádio ou
internet, os frades não sabem muito sobre o que se passa no «mundo real». No
entanto, parecem sobreviver muito bem assim. Calculam que as notícias de algo
verdadeiramente importante acabarão por chegar até eles. Penso em todo o tempo
que investi em estar ao corrente e atualizado e pergunto-me se terá sido um bom
investimento. Sou bem versado nos problemas do mundo, mas faço muito pouco a
esse respeito. Os franciscanos sabem muito menos mas, fazem muito mais. Na
verdade, encontram um certo prazer perverso em estar tão desligados. «Estou tão
desatualizado, que estou atualizado», é uma das frases preferidas do padre
Glenn, um dos fundadores da ordem.»
(In “Uma viagem pelo mundo à
procura de Deus”, de Eric Weiner, Lua de Papel, págs. 160 a 162)
- Victor Rosa de Freitas –
Benavente, 13.12.2019
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