AS ORIGENS DA ARTE CONTEMPORÂNEA…
«Em 1917, Marcel Duchamp entrou na loja de artigos de canalização de Nova Iorque e selecionou aquilo que é conhecido como um modelo de Bedfordshire de urinol de entre a gama de louças de casas de banho que estava à venda. Quando regressou ao ateliê com aquela descoberta em porcelana cintilante, pousou-a no chão, colocou-lhe a assinatura “R. Mutt”, deu-lhe o título “Fountain” e chamou-lhe arte. Vista de um certo ângulo, e fora do seu contexto normal, ela “era” estranhamente bela, mas a estética não era o que tinha mais importância. Duchamp submeteu o urinol assinado a uma exposição da Sociedade dos Artistas Independentes – da qual era um dos fundadores e o diretor. Essa entidade tinha ideias tão avançadas, que o seu assumido propósito era ultrapassar a seletividade sobranceira dos museus emproados. Pelo contrário, os curadores obrigavam-se a aceitar trabalhos de qualquer pessoa que desejasse ser incluída, desde que pagasse uma pequena quota. A exposição foi a maior desse género e, sem um crivo rígido, juntava no mesmo espaço obras de grandes nomes e de absolutos desconhecidos.
«Só que “Fountain” era um excesso mesmo para as mentes abertas dos curadores da Sociedade dos Artistas Independentes. Não só Duchamp tinha submetido sob anonimato um objeto já fabricado e funcional para uma exposição de arte, o que à época era inaudito, como tinha escolhido algo tão profundamente indelicado quanto um urinol. A entidade hesitou e acabou por recusar-se a expor aquela peça. E foi assim que “Fountain” teve um fim nada cerimonioso. Dele chegou aos nossos dias uma única fotografia, tirada por Alfred Stieglitz. Presume-se que o próprio urinol terá sido despejado numa lixeira do início do século XX, sepultado no meio de outros restos de uma era esquecida.
«Aquilo que Duchamp estava a querer dizer continua, no entanto, a fazer sentido. A peça era uma enorme provocação, capaz de abalar os alicerces do mundo da arte. Muitos historiadores de arte consideram hoje que “Fountain” é a obra de arte moderna mais importante. Para terem uma ideia da sua relevância, o colecionador grego Dimitri Daskalopoulos desembolsou quase dois milhões de dólares em 1997, e nem sequer foi pelo original atirado para o lixo. Pagou essa quantia por uma das 17 réplicas lançadas 50 anos depois pelo “marchand” de Duchamp. “Para mim", disse Daskalopoulos, "representa as origens da arte contemporânea.”»
(In “A Fórmula”, de Prof. Albert-László Barabási, Lua de Papel, págs. 57 e 58)
- Victor Rosa de Freitas –
Benavente, 02.12.2019
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