terça-feira, outubro 09, 2018

A REABERTURA DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO NA “OPERAÇÃO FIZZ” É, A MEU VER, ILEGAL…

A audiência de julgamento da “Operação Fizz”, em que é visado o procurador Orlando Figueira, e outros, fundamentalmente por corrupção e branqueamento de capitais, começou a 22 de Janeiro do corrente ano e HÁ LARGOS MESES QUE TERMINOU E FOI ENCERRADA, tendo sido marcada a leitura da sentença para 8 de Outubro.
Tal sentença não foi lida nesta data porque – noticia-se - «Foi adiado esta segunda-feira o acórdão do caso Fizz, em que Orlando Figueira é acusado de ter recebido 760 mil euros do ex-vice-presidente de Angola para arquivar um inquérito em que Manuel Vicente era suspeito de ter comprado um apartamento de luxo no Estoril para branquear dinheiro.
O adiamento relaciona-se com o facto de o trio de juízes do tribunal central criminal de Lisboa encarregue do julgamento ter decidido modificar algumas partes dos factos que vêm imputados aos arguidos na acusação. Perante isto, os advogados de dois dos arguidos pediram um prazo para reagirem, que não deverá ultrapassar os dez dias.» - cfr. AQUI.
Pois bem:
Reza o artigo 328º do Código de Processo Penal (CPP):
«Artigo 328.º
Continuidade da audiência
1 - A audiência é contínua, decorrendo sem qualquer interrupção ou adiamento até ao seu encerramento.
2 - São admissíveis, na mesma audiência, as interrupções estritamente necessárias, em especial para alimentação e repouso dos participantes. Se a audiência não puder ser concluída no dia em que se tiver iniciado, é interrompida, para continuar no dia útil imediatamente posterior.
3 - O adiamento da audiência só é admissível, sem prejuízo dos demais casos previstos neste Código, quando, não sendo a simples interrupção bastante para remover o obstáculo:
a) Faltar ou ficar impossibilitada de participar pessoa que não possa ser de imediato substituída e cuja presença seja indispensável por força da lei ou de despacho do tribunal, excepto se estiverem presentes outras pessoas, caso em que se procederá à sua inquirição ou audição, mesmo que tal implique a alteração da ordem de produção de prova referida no artigo 341.º;
b) For absolutamente necessário proceder à produção de qualquer meio de prova superveniente e indisponível no momento em que a audiência estiver a decorrer;
c) Surgir qualquer questão prejudicial, prévia ou incidental, cuja resolução seja essencial para a boa decisão da causa e que torne altamente inconveniente a continuação da audiência; ou
d) For necessário proceder à elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, nos termos do n.º 1 do artigo 370.º
4 - Em caso de interrupção da audiência ou do seu adiamento, a audiência retoma-se a partir do último acto processual praticado na audiência interrompida ou adiada.
5 - A interrupção e o adiamento dependem sempre de despacho fundamentado do presidente que é notificado a todos os sujeitos processuais.
6 - O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, por impedimento do tribunal ou por impedimento dos defensores constituídos em consequência de outro serviço judicial já marcado de natureza urgente e com prioridade sobre a audiência em curso, deve o respetivo motivo ficar consignado em ata, identificando-se expressamente a diligência e o processo a que respeita.
7 - Para efeitos da contagem do prazo referido no número anterior, não é considerado o período das férias judiciais, nem o período em que, por motivo estranho ao tribunal, os autos aguardem a realização de diligências de prova, a prolação de sentença ou que, em via de recurso, o julgamento seja anulado parcialmente, nomeadamente para repetição da prova ou produção de prova suplementar.
8 - O anúncio público em audiência do dia e da hora para continuação ou recomeço daquela vale como notificação das pessoas que devam considerar-se presentes.» 
Por sua vez, dispõe o artigo 358º do mesmo Código:
«Artigo 358.º
Alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia
1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.» 
E o artigo 359º, idem, estabelece:
«Artigo 359.º
Alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia
1 - Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância.
2 - A comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomizáveis em relação ao objecto do processo.
3 - Ressalvam-se do disposto nos números anteriores os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal.
4 - Nos casos referidos no número anterior, o presidente concede ao arguido, a requerimento deste, prazo para preparação da defesa não superior a 10 dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário.» 
E o artigo 360º, idem:
«Artigo 360.º
Alegações orais
1 - Finda a produção da prova, o presidente concede a palavra, sucessivamente, ao Ministério Público, aos advogados do assistente e das partes civis e ao defensor, para alegações orais nas quais exponham as conclusões, de facto e de direito, que hajam extraído da prova produzida.
2 - É admissível réplica, a exercer uma só vez, sendo, porém, sempre o defensor, se pedir a palavra, o último a falar, sob pena de nulidade. A réplica deve conter-se dentro dos limites estritamente necessários para a refutação dos argumentos contrários que não tenham sido anteriormente discutidos.
3 - As alegações orais não podem exceder, para cada um dos intervenientes, uma hora e as réplicas vinte minutos; o presidente pode, porém, permitir que continue no uso da palavra aquele que, esgotado o máximo do tempo legalmente consentido, assim fundadamente o requerer com base na complexidade da causa.
4 - Em casos excepcionais, o tribunal pode ordenar ou autorizar, por despacho, a suspensão das alegações para produção de meios de prova supervenientes quando tal se revelar indispensável para a boa decisão da causa; o despacho fixa o tempo concedido para aquele efeito.» 
E o artigo 361º:
«Artigo 361.º
Últimas declarações do arguido e encerramento da discussão
1 - Findas as alegações, o presidente pergunta ao arguido se tem mais alguma coisa a alegar em sua defesa, ouvindo-o em tudo o que declarar a bem dela.
2 - Em seguida o presidente declara encerrada a discussão, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º, e o tribunal retira-se para deliberar.» 
E o artigo 369º:
«Artigo 369.º
Questão da determinação da sanção
1 - Se, das deliberações e votações realizadas nos termos do artigo anterior, resultar que ao arguido deve ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança, o presidente lê ou manda ler toda a documentação existente nos autos relativa aos antecedentes criminais do arguido, à perícia sobre a sua personalidade e ao relatório social.
2 - Em seguida, o presidente pergunta se o tribunal considera necessária produção de prova suplementar para determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar. Se a resposta for negativa, ou após a produção da prova nos termos do artigo 371.º, o tribunal delibera e vota sobre a espécie e a medida da sanção a aplicar.
3 - Se, na deliberação e votação a que se refere a parte final do número anterior, se manifestarem mais de duas opiniões, os votos favoráveis à sanção de maior gravidade somam-se aos favoráveis à sanção de gravidade imediatamente inferior, até se obter maioria.» 
E o artigo 371º:
«Artigo 371.º
Reabertura da audiência para a determinação da sanção
1 - Tornando-se necessária produção de prova suplementar, nos termos do n.º 2 do artigo 369.º, o tribunal volta à sala de audiência e declara esta reaberta.
2 - Em seguida procede-se à produção da prova necessária, ouvindo sempre que possível o perito criminológico, o técnico de reinserção social e quaisquer pessoas que possam depor com relevo sobre a personalidade e as condições de vida do arguido.
3 - Os interrogatórios são feitos sempre pelo presidente, podendo, findos eles, os outros juízes, os jurados, o Ministério Público, o defensor e o advogado do assistente sugerir quaisquer pedidos de esclarecimento ou perguntas úteis à decisão.
4 - Finda a produção da prova suplementar, o Ministério Público, o advogado do assistente e o defensor podem alegar conclusivamente até um máximo de vinte minutos cada um.
5 - A produção de prova suplementar decorre com exclusão da publicidade, salvo se o presidente, por despacho, entender que da publicidade não pode resultar ofensa à dignidade do arguido.»

E o artigo 373º:
«Artigo 373.º
Leitura da sentença
1 - Quando, atenta a especial complexidade da causa, não for possível proceder imediatamente à elaboração da sentença, o presidente fixa publicamente a data dentro dos 10 dias seguintes para a leitura da sentença.
2 - Na data fixada procede-se publicamente à leitura da sentença e ao seu depósito na secretaria, nos termos do artigo anterior.
3 - O arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído.»
De todos estes artigos do CPP resulta que, uma vez encerrada a audiência de julgamento, não pode esta ser reaberta para a produção de prova (suplementar), a não ser no caso previsto nos artigos 369º, nº 2 e 371º, nº 1.
De facto, encerrada a audiência de julgamento, este terminou e não pode haver nova produção de prova sobre a materialidade da acusação ou da pronúncia, mas apenas a produção de prova suplementar «para determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar (…) com relevo sobre a personalidade e as condições de vida do arguido.» - cfr. artigos 369º, nº 2 e 371º, nos. 1 e 2.
O que bem se compreende que assim seja:
Admitir que o tribunal pudesse reabrir a audiência – depois de esta declarada encerrada, passe a redundância –, sobre a materialidade dos factos da acusação ou da pronúncia, seria permitir que se fizesse um “novo” julgamento.
Ora, tal posição levantaria uma suspeição inultrapassável sobre a isenção do tribunal – suspeição essa fundamentada em que o tribunal, pretextando uma alteração não substancial dos factos, afinal e realmente, não tinha ficado “conformado” com a prova produzida no julgamento feito e com a audiência encerrada e que pretendia “outro mais de acordo com as suas convicções”.
Parece-nos bem, pois, que a reabertura da audiência de julgamento na “Operação Fizz”, conforme se noticia, é ILEGAL.
Disse!
- Victor Rosa de Freitas –




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