DECLARAÇÃO DE VOTO DE VENCIDO NO "HABEAS CORPUS" DO SARGENTO LUÍS GOMES
Declaração de voto
Vencido.
"Embora concorde com a tese geral defendida no acórdão ora aprovado, no que respeita à natureza e fins da providência de habeas corpus por prisão ilegal, a razão da minha discordância radica, essencialmente, em considerar que, no caso concreto, estamos perante uma grosseira ilegalidade quanto à qualificação jurídica dos factos, tal como configurados até ao momento – e só com esses podemos contar nesta providência e não com outros que venham a ser entretanto apurados – pois os mesmos têm enquadramento inequívoco no crime de subtracção de menor e não do sequestro agravado, sendo certo que a moldura penal daquele não autoriza nem consente a medida gravosa de prisão preventiva.
O crime de sequestro está previsto no art.º 158.º do CP e aplica-se a «quem detiver, prender, mantiver presa ou detida outra pessoa ou de qualquer forma a privar da liberdade».
Assim, este crime só pode ser cometido por omissão se o agente “mantiver presa ou detida outra pessoa”, pois nos restantes casos configurados na lei o agente pratica uma acção (deter, prender ou de qualquer forma privar de liberdade).
No caso em apreço, a factualidade que se aponta ao arguido no despacho que ordenou a prisão preventiva foi a de que “a menor E se encontra em convívio do arguido e sua mulher”, mas, “por decisão judicial proferida no processo de regulação do poder paternal a menor foi confiada ao pai biológico – BN – decisão que o arguido conhece e teima em não cumprir, não entregando a menor”, sendo que “a menor é uma pessoa indefesa” e que “o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente”.
Acusa-se, assim, o arguido de uma omissão consciente e dolosa no cumprimento do dever de obediência a uma decisão judicial que regulou o exercício do poder paternal. Mas, tendo o arguido actuado por omissão, só poderia haver crime de sequestro se fosse entendido que a menor estava, antes da referida sentença que regulou o exercício do poder paternal, “presa ou detida”, pois é essa a previsão legal. E não é o que resulta dos factos.
Mas não se poderá entender que o não cumprimento da mesma sentença, isto é, a recusa de entregar a menor ao seu Pai, equivale a um acto de detenção ou de privação de liberdade, pois assim a menor é impedida da liberdade fundamental e constitucional de se deslocar ou ser deslocado pelas pessoas que têm o dever de dela cuidar?
A resposta, para o efeito de configuração de um crime de sequestro, só seria afirmativa se estivesse firmado na ordem jurídica, nomeadamente por sentença transitada em julgado, que o Pai é a única pessoa que detém o poder paternal, o que não sucede ainda. No caso, a sentença que regulou o exercício do poder paternal ainda não transitou em julgado e, portanto, apesar do recurso que ainda está pendente não ter efeito suspensivo, a sua execução só deveria ser ordenada, no interesse da menor, no momento em que ficasse firmemente fixado o poder paternal, pois a guarda, confiança e educação de uma menor de tenra idade não podem vogar ao sabor das diversas decisões judiciais que se forem produzindo.
Acrescente-se, ainda, que os factos em apreço são semelhantes aos anteriormente apreciados por este STJ em anteriores acórdãos, mas não são iguais, pois nestes houve uma acção do agente criminoso em retirar o menor da situação estabilizada em que se encontrava e aqui a situação, nesse aspecto, é a inversa.
Assim, mesmo numa providência excepcional e expedita como é o habeas corpus, poderia e deveria fazer-se esta análise jurídica, necessariamente perfunctória, que não iria impedir uma discussão mais alargada no processo principal, já que a decisão aqui lavrada só faria caso julgado quanto à prisão preventiva e com os elementos de facto até agora recolhidos.
Por outro lado, a circunstância do despacho de pronúncia produzir efeitos no processo quanto à qualificação jurídica dos factos não obsta a que os juízes do julgamento, ou os juízes que julgarem os recursos ordinários, muito menos este Supremo Tribunal de Justiça num habeas corpus, possam modificar livremente a qualificação jurídica, principalmente se for num sentido mais favorável ao arguido, pois neste ponto só o trânsito em julgado da decisão final constitui um marco inultrapassável.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, na “Constituição da República Portuguesa – Anotada”, vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 510, referem que «a Constituição não estabelece nem configura a providência de habeas corpus como uma providência extraordinária, pelo que é duvidosa a bondade da jurisprudência dominante...mas não é de excluir a possibilidade de habeas corpus em alternativa ao recurso ordinário, quando este se revele insuficiente para dar resposta imediata e eficaz à situação de detenção ou prisão ilegal» (sublinhados nossos).
A resolução deste habeas corpus que defendi, de considerar que o arguido está em prisão preventiva “por facto pelo qual a lei não permite”, teria o mérito de pôr imediatamente cobro a uma manifesta ilegalidade, sem prejudicar e até podendo beneficiar a discussão mais serena que se vai continuar a fazer no processo principal, onde todas as questões podem e devem ser analisadas até à exaustão."
a) Santos Carvalho.
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1 Comments:
E mais não disse....
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