terça-feira, janeiro 23, 2007

A CRIANÇA QUE ELE "SEQUESTRA" É QUE O SALVA


Não fora a criança a que ele dá o seu amor e já o Sargento estaria condenado sem ninguém do público querer saber de nada.

É verdade.

Não fora o caso ser conhecido da opinião pública e, nesta o papel da criança a que, a final, o Sargento, ao invés de fazer vítima, é o seu protector, teria passado incólume na opinião pública a absurda condenação daquele a seis anos de prisão por crime que, seguramente, não cometeu.

Nem se argumente que há ou pode haver contradição entre o rigor da lei e os afectos.

Quando se julga alguém, designadamente por crime, julga-se uma pessoa concreta, no seu circunstancialismo, não só fáctico, mas também do seu foro íntimo, na vertente do seu raciocínio e das suas intenções.

Diz quem sabe – e julgo que os juízes que o julgaram sabem – que o dolo tem a vertente emocional e a vertente intelectual.

Os julgadores ficaram-se, contudo, por parte da vertente intelectual – e nesta, o que contou foi que o condenado não quis obedecer ao que um outro tribunal – e os tribunais, Helas!, para quem os “tem”, são iluministas do absoluto e não podem ser criticados – determinou: que entregasse a criança a "alguém" que a nunca tinha tido consigo.

Se a criança estava com o arguido desde o início vê-se bem o absurdo da condenação deste por a retirar a “alguém” que nunca a tinha tido consigo e, portanto, a ter sequestrado.

Só porque um tribunal ordenara a entrega da menor ao mesmo “alguém” que a nunca tinha tido consigo não chega.

A realidade fáctica não se confunde com pretensos comportamentos decretados por tribunais e nunca praticados.

Quando um tribunal decreta um comportamento não quer dizer que, automaticamente e por um passe de mágica de “autoridade”, esse comportamento passe logo a existir como facto.

Como tal comportamento nunca existiu, de facto, a criança nunca foi afectada na sua liberdade.
O que terá sido afectado, isso sim, foi a ordem do tribunal de entrega a "alguém", nunca a liberdade da criança que se definia, de facto, na vivência, desde o início, com o arguido.
Só poderia haver, pois, uma eventual condenação por subtracção de menor e/ou desobediência.

Nunca por sequestro.
A não ser assim, nunca haveria crime de subtracção de menor porque este estaria sempre consumido pelo crime de sequestro, o que é absurdo.
Pois não é a situação decretada pelo tribunal quanto à situação de uma criança que define, sem mais, a sua liberdade, mas a situação fáctica e de relacionamento real com os seus interesses que o faz.
A liberdade de uma criança não é só o que é definido por adultos ou tribunais, mas decorre dos seus direitos naturais que, uma vez respeitados, nunca violam a sua mesma liberdade.
E o arguido sempre os respeitou e quis respeitar e não violar a sua liberdade.
E desobedeceu, ao que tudo indica (leia-se o acórdão de condenação) para os respeitar.
Que o diga a criança.
Que o digam psicólogos e peritos.
Que o diga a opinião pública.

Nada transitou em julgado.

Aposto que nunca transitará uma tal condenação absurda.

Valeu e vale ao Sargento condenado ter tido o testemunho da criança, através da comunicação social e da opinião pública, para este chocante caso não passar despercebido.
NOTA: Esta nossa posição veio a ser consagrada pelo STJ, como se pode ver AQUI e AQUI.
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