quinta-feira, junho 13, 2019

O VALOR POLÍTICO DA CIÊNCIA…

«A afirmação de que a ciência apenas floresce em ambientes democrático-liberais baseia-se em cinco argumentos.
«Primeiro, a ciência é inerentemente antiautoritária. Para ser considerada científica, uma hipótese tem de ser susceptível de verificação experimental. Se falhar repetidamente essa verificação acabará por ficar pelo caminho, independentemente de quem a possa ter apoiado ou de até que ponto parecia fazer sentido. O veredicto da experimentação já rejeitou rudemente declarações de grandes pensadores, de Aristóteles (que julgava que homens e mulheres nasciam com um número diferente de dentes) a Einstein (que insistia que a física quântica tinha de ser determinística), e já serviu para deitar por terra reivindicações de alquimistas que procuravam transformar o chumbo em ouro ou a sabedoria popular subjacente a milhares de estereótipos raciais, étnicos e sexuais. O próprio processo de fazer ciência de ponta – realizar descobertas importantes, mais do que meramente aperfeiçoar velhas ideias – depende de concepções pouco familiares e por vezes até impopulares serem livremente promulgadas, discutidas e, em certos casos, aceites. O facto de, actualmente, milhões de pessoas estarem abertas a novas ideias e se mostrarem cépticas em relação à autoridade política ou intelectual deve-se, em grande medida, à ascensão da ciência.
«Segundo, a ciência autocorrige-se. Dados adulterados, teorias mal engendradas e exemplos de fraude pura e simples poderão não ser imediatamente detectados, mas, se forem importantes, é pouco provável que assim permaneçam durante muito tempo. Quando um cientista faz uma grande descoberta, os seus colegas aglomeram-se em torno dela, procurando explorá-la e expandi-la o melhor que podem, e essa atenção não é meramente benévola: cada nova geração de cientistas procura construir a sua reputação expondo as fraquezas das teorias dos seus antecessores e substituindo-as por teorias mais novas e mais adequadas. Desta forma, a ciência pode ser um modelo para a governação liberal, onde é igualmente proveitoso – embora frequentemente frustrante – que os planos e as propostas sejam amplamente debatidos e repetidamente alterados antes de serem promulgados. Na verdade, uma das maiores falhas das democracias liberais é não se autocorrigirem ainda o suficiente: é frequente programas que não cumprem os objectivos previstos sobreviverem mesmo assim, devido à sua popularidade entre os poucos que deles beneficiam ou os muitos que partem do princípio que estão a funcionar bem.
«Terceiro, para poder prosperar, a ciência tem de se valer de todos os recursos intelectuais à sua disposição. Os países que aspiram a competir na vanguarda da ciência e da tecnologia não podem dar-se ao luxo de suprimir qualquer elemento da sua sociedade – uma vez que nenhum tem o monopólio da capacidade intelectual – e, consequentemente, são obrigados a educar a sua população e a maximizar as oportunidades de cada indivíduo de progredir por mérito próprio. A democracia liberal aproxima-se mais desse ideal do que qualquer outro sistema conhecido. Como dizia Francis Bacon: «Não há senão um estado de aprendizagem, e esse sempre foi e será democrático.»
«Quarto, a ciência é poderosa. Saber coisas é, em si mesmo, emancipador e o poder de aplicar a ciência à tecnologia é de tal modo um facto na vida moderna que dificilmente requer comentário, quer se utilize um telemóvel para procurar trabalho numa aldeia africana quer se recorra à internet par seguir a evolução das acções na bolsa. O poder proporcionado pela ciência e pela tecnologia é óbvio em questões militares, mas a verdade é que ela também faz avançar as economias nacionais de inúmeras maneiras. Historicamente, o crescimento económico avançou rapidamente nos países em que a ciência floresceu, enquanto nos países menos científicos e tecnológicos os relógios locais avançaram mais lentamente.
«Finalmente. a ciência é uma actividade social. Nos primeiros tempos, quando ainda quase nada se sabia sobre a forma como o mundo funcionava, um experimentador isolado podia fazer descobertas importantes, mas actualmente progredir em ciência exige os talentos combinados de muitos participantes. Mesmo um cientista solitário precisa de estar em contacto com a literatura produzida e, nas grandes ciências, como a física experimental de altas energias, as colaborações tornaram-se tão vastas que o número de co-autores de um artigo técnico pode exceder o número dos seus leitores. Quanto mais a ciência avança por esta via, mais liberdade de expressão, de circulação e de associação requer. A semelhança com as instituições democráticas é clara. Como defendia John Dewey: «A liberdade de investigação, a tolerância em relação a diferentes ideias, a liberdade de comunicação, a difusão daquilo que é descoberto a todos os indivíduos enquanto consumidores intelectuais finais estão presentes tanto na experiência democrática como no método científico.» Os governos autoritários, como a Alemanha nazi, a União Soviética e a China comunista, tentaram contornar esta questão confinando os cientistas em zonas especiais de relativa liberdade, mas essas medidas parciais só tiveram um êxito parcial: os relógios locais não só abrandaram, como por vezes pararam ou mesmo andaram para trás.»
(In “CIÊNCIA E LIBERDADE”, de Timothy Ferris, GRADIVA, págs. 15 a 18)
- Victor Rosa de Freitas –

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