terça-feira, novembro 12, 2019

O CRISTO UNIVERSAL…

«Na sua autobiografia, “A Rocking-Horse Catholic”, Caryll Houselander, uma mística inglesa do século XX, descreve como uma vulgar viagem de metropolitano em Londres se transformou numa visão que mudou a sua vida. Partilho aqui a descrição feita por Houselander desta assombrosa experiência porque demonstra, de forma tocante, aquilo a que vou chamar o Mistério de Cristo, a habitação da Presença Divina em tudo e todos desde o princípio do tempo tal como o conhecemos:
«”Estava no metropolitano, numa composição cheia onde se apinhava todo o género de pessoas, sentadas ou agarradas às pegas do teto – trabalhadores de todos os tipos a caminho de casa ao fim do dia. Subitamente, na minha mente, mas tão nitidamente como numa pintura maravilhosa, vi Cristo em todos eles. Mas vi mais do que isso; não só Cristo estava em todos, a viver neles, a morrer neles, a alegrar-se neles, a sofrer neles – mas porque Ele estava neles, e porque eles estavam aqui na carruagem, o mundo inteiro estava ali; não apenas o mundo como existia naquele momento, não só todas as pessoas de todos os países do mundo, mas também todas as pessoas que viveram no passado e todas as vindouras.
«”Saí para a rua e andei durante muito tempo entre a multidão. Aqui acontecia o mesmo para onde quer que me virasse, em cada transeunte, em toda a parte – Cristo.
«”Há muito tempo que era assombrada pela conceção russa do Cristo humilhado, do Cristo aleijado que se arrastava pela Rússia a pedir pão; o Cristo que, em qualquer era, podia regressar à Terra e ir junto dos pecadores para provocar a compaixão destes através da Sua necessidade. Agora, num ápice, fiquei a saber que este sonho é um facto; não se trata de um sonho, da fantasia ou lenda de um povo devoto, uma prerrogativa dos russos, mas Cristo no homem…
«”Vi ainda a reverência que todos devem sentir para com um pecador; não para tolerar o seu pecado, que na verdade é a sua maior infelicidade, mas para confortar o Cristo que nele sofre. E esta reverência é devida até àqueles pecadores cujas almas parecem mortas, pois é Cristo, que é a vida da alma, que neles está morto; são os Seus túmulos, e Cristo no túmulo é potencialmente o Cristo ressuscitado…
«”Cristo está em toda a parte; Nele, todas as formas de vida fazem sentido e influenciam todas as outras formas de vida. Não é uma pecadora insensata como eu, que se sente magnânima por viajar no mundo com pecadores, quem mais se aproxima destes e quem mais contribui para a sua cura; é o homem contemplativo, fechado na sua cela, que nem sequer os viu, mas no qual Cristo jejua e ora por eles; é uma empregada doméstica na qual Cristo se faz servo mais uma vez, ou um rei cuja coroa de ouro esconde uma coroa de espinhos. A tomada de consciência da nossa unidade em Cristo é a única cura para a solidão humana. Para mim, é também o sentido último da vida, a única coisa que dá a todas as vidas um sentido e um fim.
«”Passados alguns dias, esta «visão» esbateu-se. As pessoas começaram de novo a parecer-se pessoas, deixou de ocorrer aquele choque de perceção de cada vez que me encontrava face a outro ser humano. Cristo ficou, mais uma vez, escondido; de facto, ao longo dos anos que se seguiram tive de procurar por Ele, e habitualmente só O encontrei nos outros – e sobretudo em mim – mediante um ato deliberado e cego de fé.”
«(…)
«Como escreveu G. K. Chesterton, “A tua religião não é a igreja a que pertences, mas o universo em que vives”. Saber que todo o universo físico ao nosso redor, toda a criação, é o lugar onde Deus se esconde, mas, ao mesmo tempo, o lugar da sua revelação, é fazer deste a nossa casa, um espaço seguro, encantado, e uma fonte de graça para quem o olhar a fundo. A esta forma de ver, calma e profunda, chamo «contemplação».
«A função essencial da religião é estabelecer uma ligação radical entre nós e o todo (“Re-ligio” = religar ou reconectar.) É ajudar-nos a ver o mundo e a nós mesmos como uma totalidade e não apenas por partes. Os indivíduos verdadeiramente esclarecidos vêem a unidade porque o seu olhar parte de uma posição de unidade, em vez de categorizar todas as coisas como superior e inferior, dentro e fora. Se alguém está convencido de que foi pessoal e individualmente “salvo” ou iluminado, parece-me que não foi nem uma coisa nem outra!
«Uma noção cósmica de Cristo não exclui nem compete com ninguém, antes inclui tudo e todos (Atos 10:15,34) e possibilita que Jesus Cristo seja, finalmente uma figura divina à altura de todo o universo. Neste entendimento da mensagem cristã, o amor e a presença do Criador estão enraizados no mundo criado, e a distinção mental entre «natural» e «sobrenatural» perde o sentido. Como Albert Einstein terá supostamente dito, «Só há duas maneiras de viver. Uma é como se nada fosse um milagre. A outra é como se tudo for um milagre.» Nas páginas que se seguem, optarei pela segunda,»
(In “O CRISTO UNIVERSAL”, de Richard Rohr, Farol, págs. 13 a 15 e 19 e 20)
- Victor Rosa de Freitas –

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