sábado, setembro 14, 2019

VADIAGEM CONSCIENTE EM FERNANDO PESSOA - O ORTÓNIMO…

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«Desejo explicar a V.ª Ex.ª e aos snrs. Jurados os altos princípios sociológicos em que fundamento a minha vadiagem consciente, que não é mais que a minha filosofia de vida.
«É certo que nem todos podem ser vadios e pedintes. As almas raras, porém, serão sempre poucas. Quando se estabeleceu a regra cristã, não creio (a não ser que Deus esteja pouco informado sobre o que é o mundo) que se julgasse que a Humanidade ia toda dedicar-se à pobreza, à humildade, à castidade, e aos outros princípios idênticos, que são a forma humana do Cristianismo. Indicaram-se porém esses princípios como regra de salvação, e quem quisesse salvar-se se salvasse, guiando-se por eles. E o mesmo Evangelho, que os indica, nos ensina que muitos serão chamados e pouco escolhidos; o que quer dizer que poucos seguirão a regra e a lei.
«Não tenho, ao contrário de toda a filosofia moderna, pretensões de ser superior ao Cristianismo. Contento-me com a sua atitude social. Promulgo a lei da vadiagem e a regra do ócio ambulante, mas sei bem que as seduções do mundo evitarão a quase todos de seguir-me. Também se a Humanidade seguisse as regras cristãs acabaria, porque, se o desprezo dos bens e coisas do mundo aniquila a vida social, a castidade aniquila a própria continuação da vida humana.
«(…)
«s/d
«O mendigo e outros contos, pp. 104-105»
(In “FERNANDO PESSOA - TEXTOS ATEÍSTAS ANTIRRELIGIOSOS E ANTICATÓLICOS”, Organização, Prefácio e Anotações de Victor Correia, Edições Colibri, pág. 103)
- Victor Rosa de Freitas –

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