domingo, abril 15, 2018

TORNAR-SE UM “ROBOT”…


«No entanto, foi ali [na cidade de Estrasburgo] que tomei consciência de algo habitual, tão natural que poderíamos até nem reparar: a poluição visual! Ao sair de casa, quer me dirigisse para a esquerda ou para a direita, o meu olhar era inevitavelmente atraído por lojas, painéis publicitários, letreiros luminosos ligados dia e noite, etc. A mensagem subliminar, enviada continuamente, de todas as direcções, resume-se a: «Consome-nos…», «Leva-nos…» Tinha a sensação de estar no “Livro da Selva”, sob o domínio da serpente Cá. Ou, antes, sob a influência de milhares de serpentes de olhos arregalados que tentavam hipnotizar-me. Num tal cenário – que podem facilmente imaginar -, manter a concentração, permanecer no momento presente, é algo de muito difícil.

«Isto porque, além do pressuposto simplista segundo o qual todas essas compras seriam fonte de felicidade, a multiplicidade dos objectos publicitários tem o efeito de me fazer permanentemente «sair de mim própria». A cada letreiro com que me deparo, um  estímulo visual pede ao meu cérebro que se posicione: sim, não, mais tarde, porque não. A cada anúncio (roupa interior, telefone, bebida energética…), “idem”: numa fracção de segundo, o meu cérebro tem de decidir o que fazer com esta informação. Vai perguntar-se se não estará realmente na altura de trocar de telemóvel; avaliar o estado e o desempenho do telemóvel actual; reflectir sobre os diferentes tarifários, etc. E tudo ocorre, na maior parte do tempo, de modo inconsciente.
«O que acontece, de facto, é que em vez de passear tranquilamente pela cidade desfrutando da época, avanço mecanicamente, como se conduzida por filamentos luminosos invisíveis, ligados a espaços publicitários e montras de lojas. O ponto positivo desta hipnose consumista é sempre o mesmo: um alheamento da realidade. E a possibilidade, criada pela fuga para o sonho ou o imaginário, de evitar cautelosamente perturbações emocionais (…). Mas o ponto negativo, que alguns mestres espirituais não hesitam em classificar de trágico – compreensivelmente – é o seguinte: ao permitir que os meus olhos esbugalhados conduzam os meus passos, torno-me… um “robot”!»
(In “A MAGIA DO SILÊNCIO”, de Kankyo Tannier, Arena, págs. 62 e 63)

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