quarta-feira, julho 04, 2007

HAJA HONESTIDADE!



Dispõe o artº 283º, nos. 1 e 2 do Código de Processo Penal que “se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado um crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de dez dias, deduz acusação contra aquele” e que “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar a possibilidade razoável de ao arguido vir ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.

Em contraponto, dispõe o artº 277º, nºs 1 e 2 do mesmo diploma legal que “o Ministério Público procede, por despacho, ao arquivamento do inquérito, logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento” e que
“o inquérito é igualmente arquivado se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os seus agentes”.

A boa Doutrina e Jurisprudência têm entendido que indícios suficientes para acusar são aqueles de que resulta uma maior probabilidade de condenação do que de absolvição (a possibilidade razoável de condenação do arguido, em julgamento, no dizer da Lei, como vimos).

Mas há que precisar, primeiro, conceitos.

Assim:

O que são indícios?

Pode-se afirmar, sem ofender, de todo em todo, qualquer boa legislação, boa doutrina ou boa jurisprudência, que “INDÍCIO” é
“a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o facto, autorize, por indução, conhecer-se a existência de outras circunstâncias”.

Ou seja, para que se possa falar de “indício” é necessário, primeiro que tudo, uma prova inabalável de “uma circunstância conhecida e provada”, a partir da qual se pode, por meio de raciocínio indutivo, afirmar “a existência de outras circunstâncias”, ou seja, todo o nexo de causalidade entre a conduta do agente e a imputação do facto a este é feito através de um raciocínio lógico, de bom-senso e de experiência comum, de, a partir da causa (provada e inabalável), estabelecer a(s) consequência(s), isto é, raciocinar a partir de factos inabaláveis para consequências (fortemente) prováveis.

Mas, mesmo no inquérito, o Ministério Público deve procurar sempre “a verdade material”, isto é, na medida das suas possibilidades de investigação, ter em atenção os “indicios” recolhidos contra e a favor do arguido.

É que, se os “indícios”, como vimos, assentam fundamentalmente num raciocínio lógico-indutivo, muitas vezes a “verdade material”, isto é, a realidade não tem a mesma lógica ou tem uma “lógica” que escapa ao raciocínio indutivo e à aparência lógica que este encerra.

Vale isto dizer que o Ministério Público deve ACUSAR se a lógica do seu raciocínio indutivo permitir estabelecer o nexo de causalidade entre o facto (provado) e a sua imputação ao (suposto) agente, com forte probabilidade de condenação deste, em julgamento.

Só em julgamento, porém, se poderá e deverá apurar se a lógica do raciocínio indutivo do Ministério Público coincide com a “realidade”, isto é, com a “verdade material”.

Ao Ministério Público basta aquela “lógica indiciária” para acusar.

Ao Juiz, compete apurar a “realidade”, ou “a verdade material”, para condenar.

Se estas são as diferenças funcionais entre o Ministério Público e os Juízes, o certo é, também, que têm perspectivas muito comuns.

Primeiro que tudo, ambos devem procurar refazer uma “realidade”, ambos devem procurar a “verdade material”.

Depois, a lógica indiciária “contra” o arguido é, muitas vezes, destruída pela lógica indiciária “a favor” do arguido.

E aqui é que a “porca torce o rabo”.

Muitos agentes do Ministério Público ACUSAM logo que têm “indícios contra” o arguido, mas ignoram absolutamente os “indícios a favor do arguido”, que destroem os primeiros e levariam a que aqueles agentes NÃO DEVESSEM ACUSAR porque, estando de boa-fé e vinculados ao princípio da OBJECTIVIDADE (leia-se: busca da “verdade material”), deveriam, agora num raciocínio lógico-indutivo em relação ao julgamento, prever que a sua acção penal seria IMPROCEDENTE em julgamento, isto é, sem possibilidade razoável de o arguido vir a ser condenado.

Sempre actuei assim nas minhas funções de Magistrado do Ministério Público.

As minhas acusações, enquanto tal, sempre tiveram procedimento em mais de 90 e muitos por cento, contrariamente a muitas outras de outros colegas.
Sempre tive classificações de serviço de mérito.

Porque, certa vez, em entrevista televisiva, me atrevi a perguntar se “os agentes do Ministério Público são Magistrados ou simples acusadores públicos? e que muitos acusam de qualquer maneira e que os juízes depois resolvam «o problema»!, fui, ponderadamente e em retaliação «corporativa”, classificado de Medíocre e, até hoje, fazem-me a vida negra.

Claro que essa “classificação” foi feita por outros “factos” e com outros
“argumentos”.

Mas foi aquela a motivação “política”!

HAJA HONESTIDADE!


on-line
Support independent publishing: buy this book on Lulu.