«O GRANDE ESTADO»
«A grande discussão económica do último século foi sobre a quantidade de atividade económica que devia ser dirigida pelo Estado e a quantidade que devia ser deixada à iniciativa não dirigida dos indivíduos, livres de desenvolverem as suas próprias atividades no mercado. Foi um conflito intelectual profundo, um violento choque de ideias a respeito dos méritos de duas teorias muito diferentes sobre a forma de organizar a vida económica: a planificação central, por um lado e o livre mercado, por outro. Friedrich Hayek, porventura o mais conhecido defensor dos mercados, considerava que a planificação era «a via para a servidão», um caminho que levaria não só ao desastre económico como ao totalitarismo e à tirania política. Mas havia outros, como Abba Lerner, aluno de Hayek, com uma opinião muito diferente: demarcando-se do pensamento do professor, Lerner escreveu aquilo que o seu biógrafo chamou um «manual de instruções» para os adeptos do planeamento central, “The Economics of Control» (A Economia do Controlo).
«O desacordo dividiu o mundo. Os Estados Unidos e os seus aliados consideravam que o livre mercado era o caminho a seguir; a União Soviética e os seus aliados discordavam veementemente. Por vezes, o planeamento central pareceu levar a melhor. Em 1960, o governo dos EUA realizou uma sondagem em 10 países e descobriu que a maior parte das pessoas em nove desses países julgava que daí a uma década os Russos estariam à frente científica e militarmente. À medida que o século avançava, as estatísticas que chegavam, gota a gota, da União Soviética pintavam um quadro de um desempenho económico extraordinário. Depois, veio a grande humilhação americana de 1961, quando o cosmonauta soviético Yuri Gagarin se tornou o primeiro ser humano a viajar pelo Espaço; pairando triunfalmente sobre o mundo, quase parecia escarnecer do Ocidente cá em baixo. Mas, com o avanço do século, começaram a surgir as primeiras brechas, que depois se revelaram gigantescas falhas. Hoje sabemos que, mais do que levemente incensadas, as estatísticas soviéticas eram pneumaticamente trabalhadas até tomarem uma forma lisonjeira. No final dos anos 80, um economista russo chamado Grigorii Khanin recalculou as estatísticas de crescimento da Rússia e publicou os resultados, provocando um grande alarido no seu país. Enquanto os soviéticos haviam declarado que a produção económica em 1985 era 84 vezes maior do que em 1928, Khanin descobriu que era apenas sete vezes maior. Alguns anos depois, a União Soviética desmoronou-se.
«À luz desta história, o apelo de um Grande Estado para resolver o problema da distribuição no futuro poderá parecer estranho. Não só parece reevocar esta velha contenda entre os mercados e o planeamento central como parece secundar aqueles que saíram derrotados dessa corrida – os adeptos do planeamento central. Pois não foi o século XX uma demonstração categórica de que estavam enganados? Sem dúvida que sim. O século XX proporcionou-nos uma confirmação clara de que, para produzir o maior bolo económico possível, ter equipas de pessoas inteligentes encerradas em gabinetes governamentais a tentar coordenar a atividade económica de todos os cidadãos de acordo com um modelo pré-estabelecido não se compara ao caos produtivo dos mercados livres. Ao apelar a um Grande Estado, no entanto, pretendo algo diferente: não se trata de usar o Estado para tornar o bolo maior, como os defensores da economia planificada tentaram e não conseguiram fazer, mas sim para assegurar que todos recebem a sua fatia. Dito de outra maneira, a função do Grande Estado não é a “produção” mas sim a “distribuição”.
«Se for abandonado à sua própria sorte num mundo com trabalho insuficiente, o mercado livre – e em particular o mercado de trabalho – não será capaz de continuar a desempenhar esse papel distributivo. Como vimos, o caminho para um mundo com menos trabalho caracterizar-se-á por grandes e crescentes desigualdades. O precedente para lidar com este género de desequilíbrios económicos não é animador. No passado, estas grandes desigualdades só foram reduzidas em certas ocasiões especiais, e apenas por meio de catástrofes apocalípticas. Na Europa, por exemplo, as últimas grandes reduções da desigualdade foram causadas pela pandemia da Peste Negra no século XIV, e depois, no século XX, pela mortandade e destruição das duas Grandes Guerras. É, sem dúvida, um precedente difícil de digerir. É por esta razão que o Grande Estado tem de ser tão grande. Se quisermos encontrar uma forma de reduzir as desigualdades por uma via menos cataclísmica do que no passado, é claro que a via dos pequenos ajustes e remendos, que o Estado tentou aplicar no passado, não será suficiente. A única maneira de lidar com as disparidades iminentes é combatê-las de modo direto e agressivo.»
(In “UM MUNDO SEM TRABALHO”, de Daniel Susskind, Ideias de Ler, págs. 177 a 179)
- Victor Rosa de Freitas –
Benavente, 10.02.2020
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