segunda-feira, janeiro 27, 2020

POR QUE FOI MORTO SÓCRATES, O FILÓSOFO?...

«Três anos depois de Platão se tornar discípulo de Sócrates, este foi condenado à morte pelo Areópago e morreu, rodeado de seus discípulos, bebendo cicuta.
«Poucos eventos históricos são tão repisados como esse. Há também poucos de que se tenham tão mal compreendido as causas e o alcance. Hoje em dia se diz que o Areópago tinha razão, sob seu ponto de vista, em condenar Sócrates como inimigo da religião do Estado, porque negando os deuses ele arruinava as bases da república ateniense. Mostraremos logo que essa asserção encerra dois erros profundos. Lembremos primeiro o que Victor Cousin ousou escrever no alto da “Apologia de Sócrates”, em sua bela tradução das obras de Platão: «Anitus, é preciso dizer, era um cidadão recomendável; o Areópago, um tribunal justo e moderado; e se fosse preciso se espantar com alguma coisa, ter sido o facto de Sócrates ter sido acusado tão tarde e que não tenha sido condenado por uma maioria mais expressiva.» O filósofo, ministro da Instrução pública, não viu que, se tivesse razão, seria necessário condenar ao mesmo tempo a filosofia e a religião, para glorificar unicamente a política da mentira, da violência e do arbitrário. Pois, se a filosofia arruína forçosamente as bases do estado social, não passa de uma loucura pomposa; e se a religião só pode subsistir suprimindo-se a busca pela verdade, ela não passa de tirania funesta. Tentemos ser mais justos tanto com a religião quanto com a filosofia gregas.
«Há um facto capital e notável que escapou à maior parte dos historiadores e dos filósofos modernos. Na Grécia, as perseguições, muito raras contra os filósofos, não partiram jamais dos templos, mas sempre dos políticos. A civilização helénica não conheceu a guerra entre os sacerdotes e os filósofos, que tem um importante papel na nossa, desde a destruição do esoterismo cristão, no segundo século da nossa era. Tales pôde ensinar tranquilamente que o mundo veio da água; Heraclito, que saiu do fogo; Anaxágoras dizer que o Sol é uma massa de fogo incandescente; Demócrito, pretender que tudo vem dos átomos. Nenhum templo se inquietou por isso. Nos templos, sabia-se de tudo isso e bem mais. Sabia-se também que os pretensos filósofos que negavam os deuses não podiam destruí-los na consciência nacional e que os filósofos verdadeiros acreditavam nos deuses à maneira dos iniciados, vendo neles os símbolos das grandes categorias da hierarquia espiritual, do Divino que penetra a Natureza, do Invisível que governa o Visível. A doutrina esotérica servia então de elo entre a verdadeira filosofia e a verdadeira religião. Eis o facto profundo, primordial e final, que explica sua cumplicidade secreta na civilização helénica.
«Quem acusou Sócrates então? Os sacerdotes de Elêusis, tendo maldito os autores da guerra do Peloponeso, não pronunciaram uma palavra contra ele. Quanto ao templo de Delfos, deu-lhe o mais belo testemunho que se pode prestar a um homem. A Pítia, consultada sobre o que Apolo pensava de Sócrates, respondeu: «Não há homem mais livre, mais justo, mais sensato». As duas principais acusações levantadas contra Sócrates, corromper a juventude e não crer nos deuses, foram apenas um pretexto. Sobre a segunda, o acusado respondeu vitoriosamente a seus juízes: «Creio em meu espírito familiar, por razão mais forte devo crer nos deuses que são os grandes espíritos do Universo.» Então por que esse ódio implacável contra o sábio? Ele havia combatido a injustiça, desmascarado a hipocrisia, mostrado o falso de tantas vãs pretensões. Os homens perdoam todos os vícios e todos os ateísmos, mas não perdoam aqueles que os desmascaram. É por isso que os ateus verdadeiros que presidiam o Areópago fizeram morrer o justo e o inocente, acusando-o do crime que eles cometiam. Em sua defesa admirável reproduzida por Platão, Sócrates explica isso com perfeita simplicidade: «São minhas pesquisas infrutíferas para encontrar homens sábios entre os atenienses que excitaram contra mim tantas inimizades perigosas; daí todas as calúnias erguidas contra mim; pois todos aqueles que me ouvem acreditam que eu sei todas as coisas sobre as quais eu desmascaro a ignorância dos outros… intrigantes, ativos e numerosos, falando de mim com um plano traçado e com uma eloquência capaz de seduzir, eles há muito lhes encheram os ouvidos com as coisas mais pérfidas e prosseguem sem descanso seu sistema de calúnia. Hoje meus desafetos são Melitus, Anitus e Licon. Melitus representa os poetas; Anitus os políticos e os artistas; Licon os oradores.» Um poeta trágico e sem talento, um ricaço mau e fanático, um demagogo cínico conseguiram fazer condenar à morte o melhor dos homens; e essa morte o tornou imortal. Ele pode dizer orgulhosamente a seus juízes: «Acredito mais nos deuses que qualquer dos meus acusadores. É hora de nos deixarmos, eu para morrer e vocês para viver. Qual de nós ficou com a melhor parte? Ninguém o sabe, exceto Deus.»
«Longe de abalar a verdadeira religião e os símbolos nacionais, Sócrates tudo fizera para reafirmá-los. Ele teria sido o maior esteio de sua pátria, se a pátria tivesse sabido compreendê-lo. Como Jesus, ele morreu perdoando seus carrascos e tornou-se para toda a humanidade o modelo dos sábios mártires. Pois ele representa a ascensão definitiva da iniciação individual e da ciência aberta.»
(In “Os Grandes INICIADOS”, de Édouard Schuré, MADRAS, págs. 268 a 270)
- Victor Rosa de Freitas –
Benavente, 27.01.2020

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