sexta-feira, julho 26, 2019

OS DANOS DA OBEDIÊNCIA…

«Quem fizesse o balanço dos crimes e atrocidades cometidas pelo homem ao longo da sua história, verificaria que a obediência, a disciplina, a adesão à hierarquia e aos seus princípios estão na origem de um somatório de horrores infinitamente maior do que o dos que se podem atribuir à recusa de obedecer e à rebelião.
«Já foi dito mais de uma vez que os crimes colectivos do nazismo e os das purgas e dos gulags estalinistas só foram possíveis porque as vontades e as consciências individuais estavam quebradas e asfixiadas por regimes totalitários. Será verdade? A história recente mostra que a autoridade, mesmo quando os seus detentores são escolhidos livremente pode levar à cegueira da consciência individual. O homem submete-se à autoridade com tanta facilidade que abstrai dos imperativos da própria consciência e, reunindo outros homens, leva-os para campos de concentração, constrói câmaras de gás, larga toneladas de napalm, acciona os gatilhos e tortura os seus semelhantes.
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«Poucas, pouquíssimas são as pessoas que recorrem ao único meio verdadeiro de libertarem a sua pessoa de ser violada pela autoridade: a recusa de obediência. Trata-se não só de desobediência a uma ordem, mas de romperem com a estrutura hierárquica que se estabelece entre a autoridade e o seu subordinado. «O acto de desobedecer exige a mobilização de recursos interiores e a sua transformação, para lá das preocupações, para lá de uma troca de palavras delicadas, no domínio da acção», afirma o Prof. Milgram. «Mas o desgaste físico é considerável. À maior parte das pessoas, é-lhe difícil romperem a promessa que fizeram de ajudar o experimentador. Enquanto o sujeito obediente esquece tudo e lança sobre o experimentador a responsabilidade de infligir choques ao aluno, os que desobedecem aceitam a responsabilidade de arruinar a experiência,,, Mas é nesse momento que ele nos fornece a medida do que nós procuramos e faz uma afirmação dos valores humanitários.»
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«A autoridade, a obediência, a disciplina são necessárias à vida organizada da sociedade. Mas a autoridade tem de ser sujeita a vigilância: é demasiado fácil fazermos o que nos mandam fazer, sem nos preocuparmos com as implicações. Tal processo é insidioso como a progressão de uma louva-a-Deus. Se os indivíduos que formam uma sociedade não reagem à mínima infracção da sua consciência pela autoridade, não desempenham plenamente a sua função de homem civilizado. Mais, arriscam-se a ser engrenagens duma máquina que foi construída independentemente da sua vontade.
«Não se trata de nos rebelarmos a todo o instante. Todos podem enganar-se, incluindo o indivíduo, o indivíduo que vê uma injustiça numa medida social ou numa legislação que não lhe convém particularmente. Mas tão grande é o poderio da autoridade e a tendência humana para se lhe submeter que o mais grave de todos os erros é evidentemente o de não fazer perguntas.»
(In “A MANIPULAÇÃO DOS ESPÍRITOS”, de Alexandre Dorozynski, Jacqueline Renaud, Helmut Benesch e Walter Schmandt, Assírio e Alvim, págs. 26 e 27, 29 e 30 e 31)
- Victor Rosa de Freitas –

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