domingo, novembro 08, 2015

O ESPIRITISMO E A INQUISIÇÃO DO SANTO OFÍCIO...


«Além das viagens e dos trabalhos de Allan Kardec, esse ano de 1861 permanecerá memorável nos anais do Espiritismo por um fato de tal modo monstruoso que quase parece incrível. Refiro-me ao auto de fé levado a efeito em Barcelona, e em que foram queimadas pela fogueira dos inquisidores trezentas obras espíritas.
«O Sr. Maurício Lachâtre estava nessa época estabelecido como livreiro, em Barcelona, em relações e em comunhão de ideias com Allan Kardec. Assim, pediu a este que lhe enviasse certo número de obras espíritas, para as expor à venda e fazer propaganda da nova filosofia.
«Essas obras, em número de trezentas aproximadamente, foram expedidas nas condições ordinárias, com uma declaração em ordem do conteúdo das caixas. À sua chegada à Espanha, foram os direitos da alfândega cobrados ao destinatário e arrecadados pelos agentes do governo espanhol, mas a entrega das caixas não se fez: o bispo de Barcelona, tendo julgado esses livros perniciosos à fé católica, fez confiscar a expedição pelo Santo Ofício.
«Uma vez que não queriam entregar essas obras ao destinatário, Allan Kardec reclamou a sua devolução, mas a sua reclamação foi de nulo efeito, e o bispo de Barcelona, erigindo-se em policiador da França, fundamentou a sua recusa com a seguinte resposta: «“A Igreja Católica é universal, e sendo esses livros contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles passem a perverter a moral e a religião de outros países.”
«E não somente esses livros não foram restituídos, mas também os direitos aduaneiros ficaram em poder do fisco espanhol. Allan Kardec poderia promover uma ação diplomática e obrigar o governo espanhol a efetuar o retorno das obras. Os Espíritos, porém, o dissuadiram disso, dizendo que era preferível para a propaganda do Espiritismo deixar essa ignomínia seguir o seu curso.
«Renovando os fastos e as fogueiras da Idade Média, o bispo de Barcelona fez queimar em praça pública, pela mão do carrasco, as obras incriminadas.
«Eis aqui, a título de documento histórico, o processo verbal dessa infâmia clerical:
«“Aos nove dias de outubro de 1861, às 10h30min da manhã, na esplanada da cidade de Barcelona, no lugar em que são executados os criminosos condenados à pena última, por ordem do bispo desta cidade foram queimados trezentos volumes e brochuras sobre o Espiritismo, a saber:
«A Revista espírita, diretor Allan Kardec;
«A Revista espiritualista, diretor Piérart;
«O livro dos espíritos, por Allan Kardec;
«O livro dos médiuns, pelo mesmo;
«O que é o espiritismo, pelo mesmo;
«Fragmento de sonata, ditado pelo Espírito Mozart;
«Carta de um católico sobre o espiritismo, pelo Doutor Grand;
«A história de Joana d’Arc, por ela mesma ditada a Mlle. Ermance Dufaux;
«A realidade dos Espíritos demonstrada pela escrita direta, pelo Barão de Guldenstubbè.
«Assistiram ao auto de fé:
«Um padre revestido de hábitos sacerdotais, trazendo em uma das mãos a cruz e, na outra, uma tocha;
«Um tabelião encarregado de redigir o processo verbal do auto de fé;
«O escrevente do tabelião;
«Um empregado superior da administração das alfândegas;
«Três mozos da alfândega, encarregados de alimentar o fogo;
«Um agente da alfândega, representando o proprietário das obras condenadas pelo bispo;
«Uma multidão incalculável aglomerava-se nos passeios e cobria a esplanada em que ardia a fogueira.
«Quando o fogo consumiu os trezentos volumes e brochuras espíritas, o padre e os seus ajudantes se retiraram cobertos pelos apupos e as maldições dos numerosos assistentes, que gritavam: ‘Abaixo a Inquisição!’
«Em seguida muitas pessoas se acercaram da fogueira e apanharam cinzas.”
«Seria diminuir o horror de tais atos, acompanhá-los com a narrativa dos comentários; constatemos somente que ao clarão dessa fogueira o Espiritismo tomou um incremento inesperado em toda a Espanha e, como o haviam os Espíritos previsto, conquistou, aí, um número incalculável de adeptos. Só podemos, pois, como o fez Allan Kardec, alegrar-nos com o grande reclamo que esse ato odioso operou em favor do Espiritismo. «A propósito, porém, da propaganda que nós mesmos devemos fazer da nossa filosofia, nunca deveremos esquecer estes conselhos do mestre (Revista espírita, dezembro de 1863):
«[...] “O Espiritismo se dirige aos que não creem ou que duvidam, e não aos que têm uma fé e aos quais esta fé basta; que não diz a ninguém que renuncie às suas crenças para adotar as nossas”, e nisto ele é consequente com os princípios de tolerância e de liberdade de consciência que professa. Por este motivo não poderíamos aprovar as tentativas feitas por certas pessoas, para converter às nossas ideias o clero de qualquer comunhão. Repetiremos, pois, a todos os espíritas: acolhei prontamente os homens de boa vontade; dai luz aos que a buscam, pois não tereis êxito com os que julgam possuí-la; não violenteis a fé de ninguém, nem a do clero, nem a dos laicos, já que vindes semear em campo árido; ponde a luz em evidência, a fim de que a vejam os que quiserem ver; mostrai os frutos da árvore e dai a comer aos que têm fome, e não aos que se dizem fartos. [...]"
«Estes conselhos, como todos os de Allan Kardec, são claros, simples e sobretudo práticos; cumpre que deles nos recordemos e os aproveitemos oportunamente.»

(In “O Que É o Espiritismo”, de Allan Kardec, Edição PDF, págs.27 a 29)

[A obra aqui citada pode ser encontrada AQUI]

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