sexta-feira, maio 15, 2015

A QUEDA DO MURO DE BERLIM...


«A reviravolta foi espantosa. Em meados dos anos 80, o âmbito da ambição soviética parecia maior que nunca. A partir da sua base avançada na baía de Cam Ranh, no Sul do Vietname, a marinha soviética podia vigiar as principais rotas marítimas que atravessavam o Sudeste Asiático e o oceano Índico, um «lago britânico» até aos anos 50. Com a construção de novos e enormes porta-aviões como o "Leonid Brezhnev, Moscovo pretendia então igualar a capacidade dos americanos para intervir em todo o mundo. No entanto, em menos de meia década, esta vasta estrutura imperial - o poder dominante em todo o Norte da Eurásia; o rival contumaz no Sul da Ásia, África e Médio Oriente - desmoronou-se simplesmente. Em 1991 era já um império em ruínas. Não houve qualquer «idade de prata» ou fase de declínio; apenas uma derrocada calamitosa.
«A explicação poder-se-á encontrar nas pressões convergentes para a reforma interna e nos planos desastrosos dos líderes soviéticos para escapar ao estrangulamento que eles julgavam iminente. O insucesso fundamental do sistema soviético foi económico. Após 1970, o rápido crescimento das décadas anteriores já não podia ser sustentado. A produção adicional para melhorar os níveis de vida e financiar o aparelho militar fugiu aos cálculos dos planeadores soviéticos. Sem a sanção do terror, a economia planificada que Estaline tinha construído perdeu o seu controlo sobre os trabalhadores. A inexistência de um mecanismo de preços para orientar o investimento e selecionar a inovação tornou-se cada vez mais dispendiosa. E como se isso não bastasse, os reveses que afetaram as economias de mercado nos anos 70 revelaram-se muito breves. Nos paíse do G-7 (Alemanha, Itália, França, Grã-Bretanha, Canadá, Japão e Estados Unidos), que constituíam o núcleo do mundo capitalista, os anos 80 assistiram a um avanço extremamente rápido para as formas características da globalização comercial: uma dependência cada vez maior das exportações e comércio; uma atividade bancária transnacional; o fluxo de capital para o investimento estrangeiro; a compra e venda de divisas em grande escala. A economia empresarial da América conseguiu uma grande recuperação nos anos 80. O crescimento espetacular dos chamados «novos países industrializados», como a Singapura, Malásia, Tailândia, Taiwan e, sobretudo, a Coreia do Sul (o décimo maior produtor de aço no mundo em 1989), que na sua maioria tinham crescido sob a proteção estratégica americana, eliminou o receio de que pudessem vir a ser subvertidos por movimentos de libertação marxistas. No Sudeste Asiático, o caminho «sul-coreano» para a prosperidade industrial, e não a via «vietnamita» para a revolução camponesa, exercia a atração mais forte. Mas no império soviético o peso das despesas militares tornava-se cada vez mais esmagador, enquanto as economias-satélite da Europa de Leste comunista recorriam cada vez mais ao Ocidente para investimento e comércio.
«A "perestroika" de Gorbatchev foi uma última tentativa de reforma imperial por um novo líder soviético. O seu principal objetivo era «ocidentalizar» não só a economia «interna» da União Soviética mas também a economia do «império exterior»: torná-las mais recetivas à procura dos consumidores e à inovação tecnológica. O plano era muito abrangente. Implicava promover homens «novos» e atenuar o controlo da burocracia partidária sobre a economia planificada. Implicava libertar recursos anteriormente afetados ao esforço militar. Implicava aliviar a «disciplina» que Moscovo impusera aos governos satélites na Europa de Leste, para permitir mudanças «moderadas». Implicava negociar o acesso ao investimento ocidental e a novas tecnologias ocidentais. E como nada disso seria possível sem um alívio das tensões da «nova Guerra Fria», implicava reduzir a dimensão da presença militar soviética: na Europa Central e de Leste; nas esferas de intervenção na Ásia e África; sobretudo no Afeganistão. No entanto, é muito pouco provável que Gorbachev tencionasse renunciar à pretensão de manter a União Soviética como potência mundial - na realidade, a segunda grande potência. O que ele procurava era mais espaço de manobra. A sua diplomacia de desanuviamento foi concebida para proteger a delicada transição da Europa de Leste de uma esfera de controlo soviético para um «império informal» de influência fraternal. O império soviético seria modernizado ante o olhar dos ocidentais num clima cordial de «modernidade paralela».
«Mas Gorbachev descobriu (como as antigas potências coloniais) que o imperialismo informal não era uma opção fácil. Desistir do controlo e da ameaça de coerção era correr um grande risco. Sem outros meios para manter a lealdade de velhos protegidos, podia até revelar-se fatal. O que Moscovo podia oferecer em termos de incentivos económicos era de facto insignificante comparativamente ao Ocidente: isso já se havia verificado na Polónia nos anos 80, com o enfraquecimento gradual do poder soviético. Assim, com uma velocidade estonteante, a reforma da Europa de Leste transformou-se na revolta da Europa de Leste. Em novembro de 1989 caiu o Muro de Berlim, caíram os governos pró-soviéticos e desapareceu o «império exterior» do Leste Europeu. Esta catástrofe arrasou a autoridade e legitimidade do regime soviético. A economia planificada entrou em falência. No ano seguinte (1990) a revolta espalhou-se rapidamente ao «império interior» da União Soviética. As repúblicas soviéticas - incluindo a própria Rússia, sob a liderança de Boris Ieltsine - exigiram a sua liberdade. A tentativa vã dos colegas de Gorbachev para travar a maré política através de um golpe militar e do estado de emergência foi a «gota de água». O Tratado de Alma-Ata, em dezembro de 1991, dissolveu a União Soviética em 15 novos Estados. Reconheceu o fim do rajado soviético no Báltico, no Trans-Cáucaso e na Ásia Central. O ato mais significativo talvez fosse a decisão da Ucrânia, a principal colaboradora do poder imperial russo desde os anos 50 do século XVII, de votar pela independência total. A Rússia pós soviética continuou a ser uma potência colonial com um território enorme. Mas com uma economia arrasada e a crescente influência americana na Eurásia Interior, as suas perspetivas teriam desanimado até Pedro, "o Grande".»
(In "ASCENSÃO E QUEDA DOS IMPÉRIOS GLOBAIS", de John Darwin, Edições 70, págs. 536 a 538)
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