sábado, setembro 15, 2018

O CONHECIMENTO…

«O saber, por si só, constitui um obstáculo ao delírio de omnipotência do dinheiro e do utilitarismo. Tudo se pode comprar, é verdade. Dos deputados aos juízes, do poder ao sucesso, cada coisa tem o seu preço. Mas o conhecimento, não. O preço a pagar pelo conhecimento é de outra natureza bem diferente. Nem um cheque em branco nos permitirá adquirir automaticamente aquilo que é fruto exclusivo de um esforço individual e de uma paixão inesgotável. Ninguém poderá realizar em vez de nós o laborioso percurso que nos permitirá aprender. Sem grandes motivações interiores, a mais prestigiosa das licenciaturas, adquirida com dinheiro, não nos dará nenhum conhecimento e não proporcionará uma autêntica metamorfose do espírito.
«Já Sócrates o explicara a Ágaton quando, em “O Banquete”, contesta a ideia de que o conhecimento possa ser transmitido automaticamente de um ser humano a outro, como a água que escorre de um recipiente cheio para um vazio através de um fio de lã:
«Que bom seria, Ágaton, se a sabedoria conseguisse passar do mais cheio de nós para o mais vazio sempre que estivéssemos em contacto uns com os outros, como a água que desliza nas taças, através de um fio de lã, da mais cheia para a mais vazia.»
«Mas há mais. Só o saber pode desafiar uma vez mais as leis do mercado. Eu posso comungar com os outros os meus conhecimentos sem empobrecer. Posso ensinar a um aluno a teoria da relatividade ou ler juntamente com ele uma página de Montaigne, pondo em acção um miraculoso processo virtuoso que enriquece, ao mesmo tempo, quem dá e quem recebe.
«É verdade que no nosso mundo, dominado pelo “homo aeconomicus”, não é fácil compreender a utilidade do inútil e, sobretudo, a inutilidade do útil (quantos bens de consumo não necessários nos são vendidos como indispensáveis?). Custa-nos ver os seres humanos, ignorando a crescente desertificação que sufoca o espírito, dedicarem-se exclusivamente à acumulação de dinheiro e de poder. Custa-nos ver triunfar, nas televisões e nos meios de comunicação, novas imagens do sucesso, representadas pelo empresário que consegue criar um império burlando os outros, ou pelo homem político que humilha o Parlamento impunemente, fazendo com que sejam aprovadas leis “ad personam”. Custa-nos ver homens e mulheres entregues a uma corrida louca em direcção à terra prometida do lucro, onde tudo aquilo que os rodeia – a natureza, os objectos, os outros seres humanos – não suscita o menor interesse. O olhar fixo no objectivo a alcançar não lhes permite colher a alegria dos pequenos gestos quotidianos e descobrir a beleza que pulsa nas nossas vidas, num pôr-de-sol, num céu estrelado, na ternura de um beijo, numa flor a desabrochar, numa borboleta a voar, no sorriso de uma criança. Pois, muitas vezes, é nas coisas mais simples que se sente a grandeza.»
(In “A UTILIDADE DO INÚTIL – MANIFESTO”, de Nuccio Ordine, Faktoria K de Livros, págs. 14 a 16)

on-line
Support independent publishing: buy this book on Lulu.