segunda-feira, outubro 20, 2014

O "EFEITO REVERSIVO" NA SELECÇÃO NATURAL DE DARWIN...


«A moral e a vida, por objectivamente ligadas que estejam (a moral é um produto do vivo), não deixam de relevar, subjectivamente, de duas ordens diferentes. É o que impede de condenar a moral em nome da vida, como o fez Nietzsche, mas também de fundamentar qualquer moral que seja nas exigências, reais ou supostas, da evolução. Este último erro é o da sociobiologia, ou daquilo a que chamamos por vezes (sem dúvida parcialmente sem razão) o darwinismo social. De que é que se trata? Da aplicação à sociedade do modelo darwiniano de «luta pela vida», com o que ele deixa supor da eliminação dos mais fracos e da sobrevivência dos mais aptos. Uma vez que a natureza se aperfeiçoa através da selecção, explicam-nos, não é preciso fazer nada para impedir, nem mesmo para atenuar, esta última: toda a medida anti-selectiva (por exemplo, a protecção dos doentes ou dos deficientes) compromete as hipóteses da espécie e verifica-se nisso biologicamente nefasta e portanto moralmente condenável. Historicamente, isso pode desembocar - e desembocará efectivamente - na apologia do «deixa andar» (o capitalismo ultraliberal pode aparecer como o prolongamento económico da luta pela vida), da hierarquia (a selecção social não faria mais do que revezar a selecção natural), até mesmo do eugenismo (através da eliminação ou da esterilização dos indivíduos portadores de deficiências hereditárias, que a natureza, devido aos progressos da medicina ou dos bons sentimentos, já não consegue eliminar sozinha). É uma razão forte para recusar toda a ideia de um fundamento natural. Mesmo quando a natureza fosse racista, fascista, não igualitária, isso não seria uma razão para o sermos também nós. Seria uma causa, certamente, que poderia explicar que nós fossemos impelidos a tornarmo-nos assim. Mas isso não nos dispensaria de resistir, moralmente, a essa pulsão. Que a natureza não seja justa, o que é bem claro, isso não prova nada contra a justiça. Que ela não seja humana, o que é uma evidência, não nos dispensa de sê-lo.
«Na ocorrência, a sociobilogia faz sem dúvida, sobre a própria natureza ou sobre a obra de Darwin, uma espécie de contra-senso. É o que bem mostrou Patrick Tort. Porque a mesma selecção natural, que elimina os menos aptos para a vida, também "seleccionou a moral, que recusa essa eliminação". É portanto que essa moral, longe de nos colocar em desvantagem na luta pela vida, constitui ela própria uma vantagem selectiva: um grupo que recusa submeter-se pura e simplesmente à selecção natural deve ter mais hipóteses de sobreviver - logo, de transmitir os seus genes - que um grupo que a aceite ou acentue. Que sabemos nós disso? É que a evolução teria de outra forma, muito verosimilmente, eliminado a moral. Se ela pelo contrário a reteve e a generalizou (uma vez que não conhecemos grupo humano sem moral), é porque a adequação adaptativa da humanidade se encontrava assim aumentada. São os mais aptos que sobrevivem e transmitem os seus genes. Se nós temos uma predisposição genética para nos tornarmos morais (na condição de que a educação se misture), é portanto porque uma humanidade moral - ou antes moralizável - estava mais apta a sobreviver e a aumentar-se que uma humanidade geneticamente incapaz de se moralizar. É o que Patrick Tort chama o «efeito reversivo», pelo qual a natureza produz a moral que recusa ou transforma a natureza: "A selecção natural, princípio director da evolução implicando a eliminação dos menos aptos na luta pela vida, selecciona na humanidade uma forma de vida social cuja marcha na direcção da civilização tende a excluir cada vez mais, através do jogo ligado da ética e das instituições, os comportamentos eliminatórios.» Ser fiel à natureza, não é portanto recusar em nome dela a cultura (uma vez que a cultura é ela própria um "efeito" da natureza); é pelo contrário prolongar esse gesto, indissociavelmente natural e histórico, pelo qual uma determinada espécie biológica ("Homo sapiens") e social (a humanidade) se vira contra natureza que a produz e que a contém. É o que Camus chamava a revolta, é o que Vercors chamava a «recusa rebelde» (em que ele via uma característica da nossa espécie, que faz de nós "Animais desnaturados"), é o que chamamos vulgarmente a civilização, que a evolução deve também poder explicar. É nisso que o pensamento de Darwin, tal como Patrick Tort nos ajuda a compreendê-lo, é na verdade uma arma «contra» a sociobiologia: "Do facto da existência do «efeito reversivo» - a selecção natural selecciona a "civilização", que se opõe à selecção natural -, nenhuma sociologia não igualitária ou selectiva, nenhuma política de opressão racial, nenhuma ideologia de descriminação ou de extermínio, nenhum «organicismo» por fim pode ser legitimamente deduzido do darwinismo."»
(In "A Sabedoria dos Modernos", de André Comte-Sponville e Luc Ferry, Ed. Instituto Piaget, págs. 86 a 88)

COMENTÁRIO MEU:
Por que não aceitar, muito pura e simplesmente, que a evolução "natural" tem, antes e outrossim, por detrás, a MÃO invisível e a INTELIGÊNCIA do CRIADOR, que o SER HUMANO, no seu INTERIOR - mas com erros e aprendendo com eles e, assim, EVOLUINDO -, procura MANIFESTAR?

- Victor Rosa de Freitas -
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