domingo, janeiro 26, 2014

A PROVA DOS CINCO DISCOS...

«O sábio dervixe disse ao rei:
- Só conheço um meio que vai permitir determinar o mais inteligente dos três! É a prova dos cinco discos!

- Façamos, pois, essa prova - concordou o rei. Os três príncipes foram levados ao palácio. O dervixe, mostrando-lhes cinco discos de madeira muito fina, disse-lhes:

- Aqui estão cinco discos, dos quais dois são pretos e três brancos. Reparai que eles são do mesmo tamanho e do mesmo peso, e só se distinguem pela cor.
A seguir, um pajem vendou cuidadosamente os olhos dos três príncipes, deixando-os impossibilitados de distinguir a menor sombra.
O velho dervixe tomou então ao acaso três dos cinco discos e pendurou-os às costas dos três pretendentes. Disse, então, o dervixe:
- Cada um de vós tem preso às costas um disco cuja cor ignora! Sereis interrogados um a um. Aquele que descobrir a cor do disco que lhe coube por sorte será declarado vencedor e casará com a linda Dahizé. O primeiro a ser interrogado poderá ver os discos dos dois outros concorrentes; ao segundo será permitido ver o disco do último. E este terá que formular a sua resposta sem ver coisa alguma! Aquele que der a resposta certa, para provar que não foi favorecido pelo acaso, terá que justificá-la por meio de um raciocínio rigoroso, metódico e simples. Qual de vós deseja ser o primeiro?
Respondeu prontamente o príncipe Camozã:
- Quero ser o primeiro!
O pajem retirou a venda que cobria os olhos do príncipe Camozã, e este pôde ver a cor dos discos que se achavam presos às costas de seus rivais.
Interrogado, em segredo, pelo dervixe, não foi feliz na resposta. Declarado vencido, foi obrigado a retirar-se do salão. Camozã viu dois dos discos e não soube dizer, com segurança, qual a cor de seu disco.
O rei anunciou em voz alta, a fim de prevenir os dois outros:
- O jovem Camozã acaba de fracassar!
- Quero ser o segundo - declarou o príncipe Benefir. Desvendados os seus olhos, o segundo príncipe olhou para as costas do terceiro e último competidor e viu a cor do disco. Aproximou-se do dervixe e formulou, em segredo, a sua resposta.
O dervixe sacudiu negativamente a cabeça. O segundo príncipe havia errado, e foi logo convidado a deixar o salão.
Restava apenas o terceiro concorrente, o príncipe Aradim.
Este, logo que o rei anunciou a derrota do segundo pretendente, aproximou-se, com os olhos ainda vendados, do trono, e declarou, em voz alta, a cor exata de seu disco.
Concluída a narrativa, o sábio cordovês voltou-se para Beremiz e interrogou-o:
- O príncipe Aradim, para formular a resposta certa, arquitetou um raciocínio rigorosamente perfeito; esse raciocínio levou-o a resolver, com absoluta segurança, o problema dos cinco discos e conquistar a mão da formosa Dahizé.
Desejo, pois, saber:
1o - Qual foi a resposta do príncipe Aradim?
2o - Como descobriu ele, com a precisão de um geômetra, a cor de seu disco?
De cabeça baixa, refletiu Beremiz durante alguns instantes. E depois, erguendo o rosto, passou a discorrer sobre o caso, com desembaraço e segurança.
E disse:
- O príncipe Aradim, herói da curiosa lenda que acabamos de ouvir,respondeu, certamente, ao rei Cassim, pai de sua amada:
- O meu disco é branco!
E, ao proferir tal afirmação, tinha a certeza lógica de que estava dizendo a verdade:
- O meu disco é branco!
E qual foi o raciocínio que ele fez para chegar a essa conclusão certa e infalível?
O raciocínio do príncipe Aradim foi o seguinte: O primeiro pretendente, Camozã, antes de responder, pôde ver os discos que haviam sido colocados em seus rivais. Viu esses dois discos e errou.
Convém insistir: dos cinco discos (três brancos e dois pretos) Camozã viu dois e, ao responder, errou.
E errou por quê?
Errou porque respondeu por palpite, na incerteza.
Ora, se ele tivesse visto, em seus rivais, dois discos pretos, não teria errado, não ficaria em dúvida, e diria logo ao rei: “Vejo, em meus competidores, dois discos pretos, e, como só há dois discos pretos, o meu é forçosamente branco”.
E, com essa resposta, teria sido declarado vencedor.
Mas Camozã, o primeiro noivo, errou. Logo, os discos que ele viu não eram ambos pretos.
Ora, se esses discos, vistos por Camozã, não eram ambos pretos, só há duas hipóteses:
Lª hipótese:
Camozã viu dois discos brancos.
2ª hipótese:
Camozã viu um disco preto e outro branco.
De acordo com a primeira hipótese (refletiu Aradim) o meu disco era branco.
Resta, apenas, analisar a segunda hipótese:
Vamos supor que Camozã tenha visto um disco preto e outro branco.
Com quem estaria o disco preto?
Se o disco preto estivesse comigo, raciocinou Aradim, o segundo pretendente teria acertado.
Com efeito.
O segundo noivo da princesa teria feito o seguinte raciocínio:
- Vejo no terceiro competidor um disco preto; se o meu também fosse preto, o primeiro candidato (Camozã), ao ver dois discos pretos, não teria errado. Logo, se ele errou (poderia concluir o segundo candidato), o meu disco é branco.
Mas, que ocorreu?
O segundo pretendente também errou. Ficou na dúvida. E ficou na dúvida por ter visto em mim (refletiu Aradim) não um disco preto, mas um disco branco.
Conclusão de Aradim:
De acordo com a segunda hipótese, o meu disco também é branco.
- Foi esse - concluiu Beremiz - o raciocínio feito por Aradim para resolver, com segurança, o problema dos cinco discos, e declarar ao dervixe:
- O meu disco é branco!
O sábio cordovês, tomando, logo a seguir, da palavra, declarou ao califa, num ímpeto de irreprimível admiração, que a solução dada por Beremiz ao problema dos cinco discos havia sido completa e brilhantíssima.
O raciocínio, formulado com clareza e simplicidade, apresentava-se impecável para o geômetra mais exigente.»


(Citação extraída de “O HOMEM QUE CALCULAVA”, de Malba Tahan, edição em pdf, págs. 152 a 155)
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