sábado, setembro 14, 2013

Fundamentação da acusação criminal do Ministério Público...

Dispõe o artº 283º do Código de Processo Penal em vigor:

“Artigo 283.º
Acusação pelo Ministério Público
1 — Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias, deduz acusação contra aquele.
2 — Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
3 — A acusação contém, sob pena de nulidade:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) A indicação das disposições legais aplicáveis;
d) O rol com o máximo de 20 testemunhas, com a respectiva identificação, discriminando-se as que só devam depor sobre os aspectos referidos no n.º 2 do artigo 128.º, as quais não podem exceder o número de cinco;
e) A indicação dos peritos e consultores técnicos a serem ouvidos em julgamento, com a respectiva identificação;
f) A indicação de outras provas a produzir ou a requerer;
g) A data e assinatura.”

São estes, pois, os requisitos legais da acusação criminal pelo Ministério Público.

Porém, alguns há que pretendem que o Ministério Público também tem o dever legal de fundamentar a “existência” daqueles indícios, sob pena de ser violado o nº 5 do artº 97º, do mesmo citado compêndio legal, que reza assim:

“Artigo 97.º
Actos decisórios
1 — Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de:
a) Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo;
b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior.
2 — Os actos decisórios previstos no número anterior tomam a forma de acórdãos quando forem proferidos por um tribunal colegial.
3 — Os actos decisórios do Ministério Público tomam a forma de despachos.
4 — Os actos decisórios referidos nos números anteriores revestem os requisitos formais dos actos escritos ou orais, consoante o caso.
5 — Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.”

Assim, e em primeira linha, levanta-se a questão de saber se o acto de acusação criminal do Ministério Público é, juridicamente, um acto DECISÓRIO.

Tal acto será "um acto administrativo" do Ministério Público que “decide” que um determinado arguido seja sujeito a julgamento, pelos indiciados factos da acusação e que são subsumíveis a um tipo criminal?

Note-se que “decisão”, em sentido jurídico-administrativo, significa uma “estatuição” (ordenar por estatuto, decreto) ou uma “prescrição” (ordenar precisamente o que se há-de fazer).

Como se diz no Código de Procedimento Administrativo, Anotado, de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, 2ª edição, pág. 550, anotação V. ao artº 120º:

«Decisão não significa, note-se, que haja necessariamente no acto administrativo uma opção, uma escolha que seja fruto da vontade do seu autor. “Decisão” está aí no sentido de determinação sobre ou de resolução de um assunto…».

Ora, a acusação criminal do Ministério Público é antes, apenas e tão-só um REQUERIMENTO a um juiz para que determinado arguido seja sujeito a julgamento, nos termos já consignados, e NÃO QUALQUER DECISÃO em sentido jurídico, não constituindo, pois, um verdadeiro "acto administrativo".

Logo, a acusação do MP deve obedecer apenas aos comandos do artº 283º do C. P. Penal, já transcrito supra, e não também à obrigação de fundamentação dos factos indiciários, por não ter aqui aplicação o artº 97º, nº 5 do C.P.Penal.

Isto é assim, a nosso ver, face à legislação vigente.

Mas, tendo em vista a “lege ferenda” seria de exigir que o MP fundamentasse a verificação dos indícios de facto em que assenta a acusação?

Parece-nos bem que não.

O MP não deve fundamentar a existência de indícios quando acusa, primeiro por uma razão puramente prática e de eficácia, ou seja: se, com a prática que existe – no sentido da não fundamentação – já há os atrasos que há, se houvesse aquela obrigatoriedade o MP não faria outra coisa senão justificar as suas opções do dia a dia e em todos os actos que praticasse, sem carácter “decisório”, o que obrigaria a uma mudança de todo o paradigma em que assenta o nosso ordenamento jurídico e a uma revisão de toda a sua dogmática e de todo o sistema penal e processual penal; segundo, com a prática vigente, há sempre uma válvula de segurança contra a acusação do MP através do pedido de INSTRUÇÃO, para discutir precisamente, perante um terceiro imparcial (o Juiz de Instrução Criminal – JIC) se esses indícios existem ou não e respectiva fundamentação, pois agora impõe-se que seja proferida uma verdadeira DECISÃO sobre esta questão, isto é, passa a haver um despacho judicial que determina e fixa que, naquele inquérito (abrangendo a própria INSTRUÇÃO, como é óbvio), há (ou não) indícios suficientes de factos que integram ilícito criminal, tudo devidamente fundamentado.

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