Fundamentação da acusação criminal do Ministério Público...
Dispõe o artº 283º do Código de Processo Penal em vigor:
“Artigo 283.º
Acusação pelo Ministério Público
1 — Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios
suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério
Público, no prazo de 10 dias, deduz acusação contra aquele.
2 — Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles
resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força
deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
3 — A acusação contém, sob pena de nulidade:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que
fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança,
incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau
de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes
para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) A indicação das disposições legais aplicáveis;
d) O rol com o máximo de 20 testemunhas, com a respectiva identificação,
discriminando-se as que só devam depor sobre os aspectos referidos no n.º 2 do
artigo 128.º, as quais não podem exceder o número de cinco;
e) A indicação dos peritos e consultores técnicos a serem ouvidos
em julgamento, com a respectiva identificação;
f) A indicação de outras provas a produzir ou a requerer;
g) A data e assinatura.”
São estes, pois, os
requisitos legais da acusação criminal pelo Ministério Público.
Porém, alguns há que
pretendem que o Ministério Público também tem o dever legal de fundamentar a “existência”
daqueles indícios, sob pena de ser violado o nº 5 do artº 97º, do mesmo citado
compêndio legal, que reza assim:
“Artigo 97.º
Actos decisórios
1 — Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de:
a) Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do
processo;
b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória
ou quando puserem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior.
2 — Os actos decisórios previstos no número anterior tomam a
forma de acórdãos quando forem proferidos por um tribunal colegial.
3 — Os actos decisórios do Ministério Público tomam a forma
de despachos.
4 — Os actos decisórios referidos nos números anteriores revestem
os requisitos formais dos actos escritos ou orais, consoante o caso.
5 — Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo
ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.”
Assim, e em
primeira linha, levanta-se a questão de saber se o acto de acusação criminal do
Ministério Público é, juridicamente, um acto DECISÓRIO.
Tal acto será "um acto administrativo" do Ministério Público que “decide” que um determinado arguido seja sujeito a julgamento, pelos indiciados
factos da acusação e que são subsumíveis a um tipo criminal?
Note-se que “decisão”, em sentido jurídico-administrativo, significa uma “estatuição” (ordenar por
estatuto, decreto) ou uma “prescrição” (ordenar precisamente o que se há-de
fazer).
Como se diz no
Código de Procedimento Administrativo, Anotado, de Mário Esteves de Oliveira,
Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, 2ª edição, pág. 550, anotação V.
ao artº 120º:
«Decisão não
significa, note-se, que haja necessariamente no acto administrativo uma opção,
uma escolha que seja fruto da vontade do seu autor. “Decisão” está aí no
sentido de determinação sobre ou de resolução de um assunto…».
Ora, a acusação
criminal do Ministério Público é antes, apenas e tão-só um REQUERIMENTO a um
juiz para que determinado arguido seja sujeito a julgamento, nos termos já
consignados, e NÃO QUALQUER DECISÃO em sentido jurídico, não constituindo, pois, um verdadeiro "acto administrativo".
Logo, a
acusação do MP deve obedecer apenas aos comandos do artº 283º do C. P. Penal, já
transcrito supra, e não também à obrigação de fundamentação dos factos
indiciários, por não ter aqui aplicação o artº 97º, nº 5 do C.P.Penal.
Isto é assim, a
nosso ver, face à legislação vigente.
Mas, tendo em vista
a “lege ferenda” seria de exigir que o MP fundamentasse a verificação dos
indícios de facto em que assenta a acusação?
Parece-nos bem
que não.
O MP não deve
fundamentar a existência de indícios quando acusa, primeiro por uma razão
puramente prática e de eficácia, ou seja: se, com a prática que existe – no sentido
da não fundamentação – já há os atrasos que há, se houvesse aquela obrigatoriedade
o MP não faria outra coisa senão justificar as suas opções do dia a dia e em
todos os actos que praticasse, sem carácter “decisório”, o que obrigaria a uma
mudança de todo o paradigma em que assenta o nosso ordenamento jurídico e a uma
revisão de toda a sua dogmática e de todo o sistema penal e processual penal;
segundo, com a prática vigente, há sempre uma válvula de segurança contra a
acusação do MP através do pedido de INSTRUÇÃO, para discutir precisamente,
perante um terceiro imparcial (o Juiz de Instrução Criminal – JIC) se esses
indícios existem ou não e respectiva fundamentação, pois agora impõe-se que
seja proferida uma verdadeira DECISÃO sobre esta questão, isto é, passa a haver
um despacho judicial que determina e fixa que, naquele inquérito (abrangendo a própria INSTRUÇÃO, como é óbvio),
há (ou não) indícios suficientes de factos que integram ilícito criminal, tudo
devidamente fundamentado.
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