quinta-feira, janeiro 12, 2012

Medidas de coacçao penal, MP e JIC


O governo tem a intenção de consagrar legalmente que, na aplicação de medidas de coacção penal, o Juiz de Instrução Criminal (JIC) não deve estar vinculado à medida mais gravosa pedida pelo Ministério Público (MP), isto é, o JIC pode aplicar uma medida de coacção mais grave do que a pedida pelo MP, pretendendo, nesta parte, revogar o regime que foi consagrado pela revisão do processo penal de 2007 (artº 194º, nº 2 do Código de Processo Penal (CPP) em vigor).
Consideremos, por exemplo, a aplicação da prisão preventiva.
Segundo a proposta do governo, o JIC pode aplicar a prisão preventiva, mesmo que o Ministério Público tenha proposto uma medida menos gravosa.
A Ordem dos Advogados está contra, porque entende, sucintamente, ser tal poder do JIC “inconstitucional”, pois tendo o processo penal estrutura acusatória, o JIC está vinculado a não aplicar medida de coacção mais gravosa do que a pedida pelo Ministério Público porque, sendo o JIC um “juiz das liberdades”, não pode ser “mais papista que o papa”.
Este último argumentário não procede.
Vejamos, considerando o caso da aplicação da prisão preventiva, por ser o mais paradigmático.
Para que a prisão preventiva possa ser aplicada, são necessários os seguintes requisitos legais (em alternativa):
“a) Fuga ou perigo de fuga;

“b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou

“c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.”conforme imposição do artº 204º do mesmo C. P. Penal, ao que acresce que a moldura penal do crime em causa tem que ter um máximo superior a 5 anos (artº 202º, nº 1, a) do mesmo compêndio legal).

Se os requisitos para a aplicação da prisão preventiva fossem apenas os previstos na alínea b) do citado artº 204º (perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova), até se poderia entender a posição da Ordem dos Advogados.

É que se assim fosse e sendo o Ministério Público o detentor da investigação e do processo, só ele saberia se se verificavam tais requisitos e o JIC estaria a “meter a foice em seara alheia” ao apreciá-los contrariando o Ministério Público.

Mas, como vimos, a prisão preventiva pode assentar em outros requisitos, como a “fuga ou perigo de fuga” do arguido ou o “perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas”.

E quanto a estes últimos requisitos, o Ministério Público não está em nenhuma posição “privilegiada” em relação ao JIC.

Com efeito, estes últimos requisitos nada têm que ver directamente com a investigação ou com a obtenção da prova, competindo plenamente ao JIC apreciá-los livremente, sem qualquer vinculação ao Ministério Público, embora deva sempre ouvir previamente este e a Defesa.

É que “juiz das liberdades” não significa, ao contrário do que afirma a Ordem dos Advogados, designadamente através da voz do seu Bastonário, que o JIC tem que decidir a “favor” do arguido, com base no limite máximo defendido pelo MP. A função do JIC, como “juiz das liberdades” é a de julgar, não no sentido técnico de dar factos como provados e aplicar (ou não) uma sanção penal, mas sim os interesses da comunidade, os interesses da investigação e os interesses da Justiça penal, por um lado, e os interesses e direitos do arguido, por outro.

E neste “julgamento” não pode o JIC estar vinculado a qualquer posição do Ministério Público.

Poder-se-ia então dizer que o nosso argumento vai no sentido de que, se o fundamento da prisão preventiva tiver que ver tão só directamente com o inquérito e sua instrução ou com a conservação da prova e sua veracidade, nestes casos, o JIC teria que respeitar a posição máxima do Ministério Público, não podendo aplicar medida mais gravosa do que a pedida por este.

Mas não.

O nosso argumento não vai por aí, nem permite tal excepção.

Há que reconhecer, antes de mais, que o JIC, para a aplicação de qualquer medida de coacção, deve ouvir obrigatoriamente o Ministério Público e a Defesa.

E é também em função dessa dupla argumentação que o JIC deve decidir.

Mas nunca de modo vinculado.

Quer em relação à prisão preventiva, quer em relação a qualquer outra medida de coacção, com excepção do termo de identidade e residência, cuja aplicação a lei não exige a sua intervenção.

Somos, pois, inequivocamente, a favor de que o JIC pode aplicar qualquer medida de coacção mais gravosa do que a pedida pelo Ministério Público, repondo-se o regime legal anterior à reforma de 2007.



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