sexta-feira, setembro 20, 2019

PARA ALÉM DO BEM E DO MAL, EM ESPINOSA…

«Espinosa inicia uma verdadeira revolução coperniciana da consciência moral: a verdadeira moral não consiste já em procurar seguir as regras exteriores, mas em compreender as leis da natureza universal e da nossa natureza singular, a fim de aumentar a força para agir e a alegria – e é assim fazendo que seremos mais úteis aos outros. Não é curvando a espinha a pretexto de prescrições morais e religiosas, mas aumentando a nossa força pessoal, orientada pela razão, que estaremos mais certos de agir de maneira boa para nós mesmos e que seremos úteis aos outros. «Agir virtuosamente», escreve Espinosa, «não é em nós outra coisa senão agir, viver, conservar o ser sob a orientação da Razão, e isto segundo o princípio da procura da utilidade própria». À moral tradicional, assente em categorias transcendentes de bem e de mal, Espinosa contrapõe uma ética assente na busca racional e pessoal do bom e do mau. O homem virtuoso já não é aquele que obedece à lei moral ou religiosa, mas aquele que discerne o que aumenta a sua força para agir. Ao passo que o homem da moral tradicional se comprazerá em sentimentos que diminuem a sua força vital (tristeza, remorso, receio, culpabilidade, pensamento sobre a morte), o homem ético de Espinosa apenas procura o que fortalece em si mesmo a potência vital. Vira resolutamente as costas à tristeza e a todos os sentimentos mórbidos, para se dedicar a fazer crescer a verdadeira alegria.
«(…)
«Espinosa vai ainda mais longe e decide demonstrar que a ética visa a libertação do ser humano da servidão voluntária, a do seu apego às paixões: «Chamo servidão à incapacidade que o homem tem de governar e refrear as paixões. Com efeito, o homem submetido aos sentimentos não é senhor se si, mas depende da fortuna, sob cujo poder se encontra, de tal modo que é muitas vezes forçado a seguir o pior, apesar de ver nele o que é melhor para si». A ética de Espinosa não traz consigo nenhuma injunção moral - «tu deves», «é preciso» -, antes nos propõe que adquiramos um discernimento pessoal face às causas dos nossos sentimentos, a fim de crescermos em força, liberdade e alegria. Como não se cansa de repetir, «os homens têm, de facto, consciência das suas ações e apetites, mas são ignorantes quanto às causas por que são determinados a desejar uma coisa». É por não terem compreendido que a salvação e a felicidade verdadeiras implicam um questionamento racional da vida interior e da afetividade que os seres humanos inventaram a lei religiosa e a moral laica do dever, que repousam ambas numa ordem exterior inexplicável. «O homem comum é incapaz de perceber as verdades que têm alguma profundidade», escreve Espinosa numa carta a Willem van Blyenbergh. «Estou convencido de que é por isso que as prescrições reveladas por Deus aos profetas como indispensáveis à salvação foram consignadas sob a forma de leis.» Reconforta-nos pensar que agimos de maneira boa porque obedecemos à lei moral, que se nos impõe de maneira transcendente. Isso é confortável, pois impede-nos de refletir e compreender a importância de procurar no interior de nós mesmos o que é conveniente fazer. Não por meio de um imperativo categórico de tipo kantiano, que permanece indemonstrável – a minha consciência dita-me a lei moral universal -, mas por meio de uma observação minuciosa de nós mesmos, o que nos permite discernir aquilo que é bom e aquilo que é mau para nós, e portanto ter um comportamento adequado, o qual, por ser regulado pela razão, não seria passível de prejudicar os outros. A ética imanente e racional do bom e do mau substitui assim a moral transcendente e irracional do bem e do mal. Uma paixão não é doravante apresentada e censurada como um vício, tal como sucede na teologia cristã ou na moral clássica, mas como um veneno e uma escravatura. A ética espinosista consiste em passar da impotência à potência, da tristeza à alegria, da servidão à liberdade.»
(In “O MILAGRE ESPINOSA”, de Frédéric Lenoir, QUETZAL, págs. 156 e 157 e 158 e 159)
BREVE COMENTÁRIO MEU:
A ética de Espinosa reforça o apelo que, recorrentemente, tenho feito de que todos e cada um devem ter acesso ao CONHECIMENTO, à CONSCIÊNCIA e à SABEDORIA.
Para que todos e cada um possam ser LIVRES.
- Victor Rosa de Freitas –

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